Movimento dos Focolares
UNIRedes: esperança para a América Latina e para o mundo

UNIRedes: esperança para a América Latina e para o mundo

A sede de Pedrinhas (SP, Brasil) da Fazenda da Esperança acolhe jovens e adultos que enfrentam vários estágios de recuperação do vício das drogas e de outras formas de dependência e problemas sociais. Não poderia haver um lugar melhor para sediar a conferência da UNIRedes, plataforma de ONGs, projetos sociais, humanitários e agências culturais da América Latina que se inspiram na espiritualidade da unidade de Chiara Lubich. Estavam presentes 140 pessoas de 37 das 74 organizações parceiras da UNIRedes, atuantes em 12 países da América Latina e do Caribe.

O objetivo desse congresso era apresentar o trabalho desses anos a Margaret Karram e Jesús Morán, presentes no encontro, definir os próximos passos em comum com todas as organizações parceiras e fortalecer o vínculo com o Movimento dos Focolares, para poder compartilhar a experiência adquirida, inclusive fora do continente latino-americano.

UNIRedes: uma rede de redes

Maria Celeste Mancuso, argentina, corresponsável internacional do Movimento Nova Humanidade, explicou que a UNIRedes não é unicamente um projeto solidário: “É também um espaço que gera uma reflexão cultural que leva a identificar as categorias antropológicas e epistemológicas necessárias para suscitar uma nova cultura do cuidado para com a pessoa e as sociedades latino-americanas”. Por esse motivo, também fazem parte plenamente as agências culturais inspiradas no Carisma da Unidade, como o Instituto Universitário Sophia (Loppiano, Itália), sua filial local, Sophia América Latina e Caribe (ALC) e o Centro Universitário ASCES UNITA de Caruaru (PE).

Virginia Osorio, do Uruguai, uma das iniciadoras do projeto, falou sobre as origens: “As contínuas mudanças políticas e econômicas em nossos países tornaram nossas organizações cada vez mais frágeis e isoladas. Com a UNIRedes, encontramos um lugar onde podemos nos fortalecer reciprocamente e compartilhar sofrimentos e esperanças. Nosso último projeto foi para o Genfest: centenas de jovens fizeram voluntariado em muitas das nossas organizações, vivendo na própria pele experiências de fraternidade e proximidade com os mais pobres”.

A raiz comum: “morrer pela própria gente”

A primeira raiz da UNIRedes não se baseia em análise geopolítica ou econômica. É preciso voltar ao início dos anos 1970, quando os Gen, os jovens dos Focolares, como inúmeros de seus coetâneos em diversos países, queriam mudar o mundo e suscitar igualdade, justiça, dignidade.

Chiara Lubich, que se encontrava com eles frequentemente, tinha apoiado e confirmado a necessidade de fazer uma revolução social pacífica, especialmente na América Latina, continente que para ela se identificava com essa vocação especial. Ela dizia aos jovens do Movimento dos Focolares: “Cada um de vocês deve sentir isso: nós devemos, sim, morrer pela humanidade, mas é necessário encontrar o nosso Jesus Abandonado local para morrer pela própria gente”[1].



“Então, muitos começaram a atuar na periferia das cidades, nas favelas, onde a pobreza tirava a dignidade das pessoas” – disse Gilvan David, brasileiro, do grupo latino-americana de articulação da UNIRedes. “Nasceram as primeiras ONGs e, enquanto isso, tentamos nos estruturar, mas não foi o suficiente. ‘Vocês vêm até nós’ – os pobres nos diziam –, ‘mas depois vão embora e nos deixam sozinhos’. Para responder a esse apelo, começamos a trabalhar em rede com as políticas públicas locais e, no mesmo período, vários sacerdotes que vivem a espiritualidade da unidade também fundaram projetos sociais: frei Hans com a Fazenda da Esperança, padre Renato Chiera com a Casa do Menor e outros.”

Uma “única” América Latina

“Depois, nasceram os primeiros grupos de organizações”, continuou Gilvan David. “ ‘Sumá Fraternidad’, que reunia os projetos de alguns países de língua espanhola; a associação civil ‘Promoção integral da pessoa’ (PIP), no México, enquanto as organizações sociais brasileiras continuavam a crescer, encontrando a própria identidade e espaço de atuação. Não foram anos fáceis, mas iniciamos várias trajetórias em diversos territórios da América Latina, a fim de sustentar os engajamentos sociais, que depois confluíram na UNIRedes. Nós nos reunimos várias vezes, mas o encontro de fundação foi em 2014, com a presença também de Emmaus Maria Voce e Giancarlo Faletti, então presidente e copresidente do Movimento dos Focolares. Emmaus, naquela ocasião, disse: ‘Vocês dão ao Movimento uma nova visibilidade, um novo significado para a sua ação; vocês são um testemunho para aqueles que os olham de fora; vocês dão visibilidade completa ao Carisma mediante ações concretas’. Eu diria que foi então que nos identificamos como uma realidade única para toda a América Latina: nós nos sentimos abraçados pelo Carisma da Unidade.”

Foram muitas e substanciais as contribuições que edificaram esse congresso, com a apresentação das várias organizações parceiras.

Juan Esteban Belderrain: da desigualdade à esperança

O cientista político argentino Juan Esteban Balderrain analisou o flagelo da desigualdade, do qual a América Latina detém o recorde mundial. “Trata-se de construir uma visão deste continente que parta da esperança. E isso é possível porque, se olharmos para a raiz mais profunda do problema da desigualdade, deparamos com a perda de referência em relação a Deus que é amor e que… os ajuda a compreender que somos irmãos e irmãs, uns dos outros e da natureza, a qual também é uma expressão do Amor de Deus. Referindo-se ao século 20, Paulo VI disse que aquele era um tempo abençoado, porque exigia de todos a santidade. Creio que essas palavras também se aplicam ao nosso tempo.”

Padre Vilson Groh: a “mística dos olhos abertos”

Há mais de 40 anos, padre Vilson mora no “morro”, uma favela em Florianópolis (Santa Catarina, Brasil), e realiza projetos sociais voltados especialmente para os jovens. Ele falou sobre a “mística dos olhos abertos”: “Devemos levar as nossas organizações para os subterrâneos escuros de nossas periferias; ser ali um sinal de esperança. O Genfest trouxe a perspectiva do ‘juntos’, que o papa Francisco promove. Isso requer uma caminhada paciente e resiliente; exige que sejamos firmes na busca do bem comum. A unidade é superior ao conflito, como o Papa sempre diz; e a unidade é pluralidade; trazemos a diversidade para as nossas organizações. O Carisma da Unidade é uma porta para que Cristo chagado abra espaços”.

Vera Araujo: América Latina construtora de fraternidade

A fala da socióloga brasileira se concentrou em uma visão positiva, que sabe reconhecer o patrimônio cultural e humano latino-americano e o oferece como um presente ao mundo.

“A UNIRedes tem suas origens no carisma de Chiara Lubich e pode se transformar em uma oportunidade incrível também para o mundo todo: a unidade vista não apenas como um valor religioso, mas também como uma força capaz de compor com eficácia a família humana, criando uma interação entre a multiplicidade das pessoas e preservando as distinções no contexto das realidades sociais. Aqui o Carisma da Unidade oferece uma solução que não é fácil, um sentido, um significado, uma Pessoa: Cristo abandonado na cruz.

Para amar bem, como se deve”, diz Chiara, “não devemos ver nas dificuldades e nas injustiças do mundo apenas males sociais a serem remediados, mas descobrir neles o rosto de Cristo que não desdenha de se rebaixar diante da esconder na miséria humana[2].”



Susana Nuin Núñez: o caminho dos povos e dos movimentos sociais

A socióloga uruguaia descreveu o caminho e a riqueza social, política, econômica dos povos do continente e de alguns movimentos sociais. “Essas redes, com suas mais variadas fisionomias, com seus desdobramentos nas práticas sociais ou no ambiente acadêmico, atuam de forma complementar, gerando um tecido sociocultural indiscutível, com um caráter comunitário multifacetado, do qual a América Latina é portadora.” Ela enfatiza ainda a peculiaridade da UNIRedes enquanto sujeito social que, há mais de dez anos, cuida, revoluciona, transforma e influencia a partir do Evangelho e da palavra da unidade.

Margaret Karram e Jesús Morán: UNIRedes faz parte do Movimento dos Focolares

“Aqueles que querem viver o Evangelho nesta região estão sempre em crise porque veem desigualdades constantemente”, ressaltou Jesús. “A unidade não pode deixar de assumir essa realidade. Como alcançar a unidade neste continente, sem levar em conta aqueles que são descartados pela sociedade? O que vocês fazem como UNIRedes deve impregnar todo o Movimento nesta região. O trabalho de vocês não terá credibilidade se não se concretizar também por meio de obras sociais. Claro, não seremos nós que resolveremos os problemas sociais. A única coisa que podemos fazer é levar as pessoas a se converterem ao amor. Se tocarmos os corações, alguém assimilará o espírito e, na liberdade, entenderá como viver o Evangelho.”


Margaret incentivou a UNIRedes a ir adiante : “Agora precisamos descobrir como fazer para que a vida e exemplo de vocês chegue a todos, no mundo inteiro”. Citando um tema de Chiara Lubich em 1956, ela reiterou que o Movimento, em seu compromisso social, não deve esquecer que a chave para a solução dos problemas que o Carisma da Unidade oferece está na novidade da reciprocidade, e não na justiça. Promover a partilha, a comunhão entre todos daquele pouco ou muito que temos, a fim de criar um Bem Comum maior que, além de resolver os problemas sociais, produz aquela realização humana e espiritual que só acontece na comunhão entre todos. Por fim, Margaret lançou uma proposta: “Acrescentem um novo artigo à Carta dos princípios e dos compromissos: um pacto solene de fraternidade, a ser proposto àqueles que querem fazer parte da UNIRedes. Estamos aqui para testemunhar o amor mútuo; e só se tivermos esse amor, o mundo acreditará”.

“A UNIRedes nos fala de esperança”, concluiu M. Celeste Mancuso. “É uma proposta transversal e sinodal de uma rede organizativa que pode inspirar modelos semelhantes para as periferias existenciais de outras partes do nosso vasto mundo. Dessa forma, será possível pensar em construir redes globais de fraternidade que promovam o bem comum.”

Stefania Tanesini


[1] Chiara Lubich na “Escola Gen”, Rocca di Papa (Roma, Itália), 15 de maio de 1977.

[2] Chiara Lubich, Por uma civilização da unidade. Discurso proferido no Congresso “Uma cultura de paz para a unidade dos povos”, Castel Gandolfo (Roma), 11-12 de junho de 1988.

A partir da comunidade “trinacional”, um futuro de fraternidade para a América Latina

A partir da comunidade “trinacional”, um futuro de fraternidade para a América Latina

Nesta encruzilhada de países, onde confluem os rios Iguaçu e Paraná, fica a fronteira mais transitada da América Latina. A área é caracterizada por uma grande diversidade cultural e pela presença secular de povos indígenas, como o grande povo Guarani. O turismo é o maior recurso econômico desta grande região, à qual as pessoas vêm para visitar as Cataratas do Iguaçu, que são as mais extensas do mundo, com uma largura de 7.65 km, e são consideradas uma das sete maravilhas naturais do planeta.

Na sua mensagem de boas-vindas, Tamara Cardoso André, presidente do Centro para os Direitos Humanos e a memória popular de Foz do Iguaçu (CDHMP-FI), explicou que neste lugar desejam dar um significado diferente às fronteiras nacionais: “Queremos que a nossa tríplice fronteira se torne cada vez mais um local de integração, uma terra que todos considerem sua, conforme o entendimento dos povos originais que não conhecem barreiras”.

Foz do Iguaçu, a última etapa

Aqui termina a viagem pelo Brasil de Margaret Karram e Jesús Morán, presidente e copresidente do Movimento dos Focolares. Eles percorreram o país de Norte a Sul: visitaram a Amazônia brasileira, passaram por Fortaleza, Aparecida, pela Mariápolis Ginetta em Vargem Grande Paulista, pela Fazenda da Esperança em Pedrinhas e Guaratinguetá (SP), até Foz do Iguaçu.
Neste local, a família “ampliada” da comunidade trinacional dos Focolares celebra a sua jovem história e narra a contribuição à unidade que este lugar pode oferecer. O abraço de três povos que a espiritualidade da unidade reúne em um só, transcende as fronteiras nacionais, embora cada um mantenha a própria identidade cultural específica. Na ocasião, também estiveram presentes o card. Adalberto Martinez, arcebispo de Assunção (Paraguai), o bispo local dom Sérgio de Deus Borges, dom Mario Spaki, bispo de Paranavaí, e dom Anuar Battisti, bispo emérito de Maringá. Também esteve presente um grupo da comunidade islâmica de Foz do Iguaçu, com a qual há muito tempo existe uma relação de amizade fraterna.

Povos com raízes em comum

Arami Ojeda Aveiro, uma estudante de Mediação Cultural na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), ilustra a trajetória histórica desses povos e as graves feridas que se acumularam ao longo dos séculos. O conflito entre Paraguai, de um lado, e Argentina, Brasil e Uruguai, de outro (1864-1870), foi um dos mais sangrentos da América do Sul em termos de vidas humanas, com consequências sociais e políticas para toda a região. Por outro lado, há também muitos fatores culturais em comum, como a música, a gastronomia, as tradições populares derivadas da mesma raiz cultural indígena, como o mate guarani, uma bebida típica dos três povos.

A cultura guarani é uma das mais ricas e representativas da América do Sul; é um testemunho vivo da resiliência e da versatilidade de um povo que conseguiu preservar sua identidade ao longo dos séculos com uma cosmogonia única, em que a conexão com a natureza e o respeito às tradições são fundamentais e podem ser uma grande riqueza para toda a humanidade.

Arami Ojeda Aveiro conclui assim: “Por isso, a região da tríplice fronteira não representa somente um limite geográfico, mas um espaço multicultural e de cooperação que fortalece toda esta região”.

A comunidade “trinacional” do Movimento dos Focolares

De todas as comunidades do Movimento dos Focolares no mundo, esta tem um caráter único: “Seria impossível sentir que somos uma família se olhássemos apenas para as nossas histórias nacionais”, diz uma jovem argentina. Mônica, do Paraguai, uma das pioneiras da comunidade com Fátima Langbeck, do Brasil, conta que tudo começou com uma oração diária: “‘Senhor, abre-nos o caminho para que possamos estabelecer uma presença mais sólida do focolare e para que o teu carisma de unidade floresça entre nós’. Desde 2013, somos uma única comunidade e queremos escrever outra história para esta terra, que testemunhe que a fraternidade é mais forte do que os preconceitos e as feridas seculares. Estamos unidos pela palavra da unidade de Chiara Lubich, quando ela disse que a verdadeira socialidade supera a integração, porque é o amor mútuo em ação, como foi anunciado no Evangelho. As nossas peculiaridades e diferenças nos tornam mais atentos uns aos outros, e as feridas das nossas histórias nacionais nos ensinaram a nos perdoarmos”.

As apresentações artísticas demonstram a vitalidade e a atualidade das raízes culturais dos povos que moram nesta região: as canções da comunidade argentina que chegou do litoral; o “El Sapukai”, dança paraguaia muito ritmada, que é dançada com até três garrafas na cabeça; a representação do povo Guarani, que entoa uma canção no próprio idioma, louvando a “grande mãe”, a floresta, que deve ser protegida, que produz bons frutos e dá vida a todas as criaturas.

Padre Valdir Antônio Riboldi, sacerdote da diocese de Foz do Iguaçu, que conheceu o Movimento dos Focolares em 1976, continua a narrar a história por escrito: “Os focolares de Curitiba, no Brasil, e de Assunção, no Paraguai, começaram a promover eventos envolvendo pessoas dos três países vizinhos, uma experiência que chamamos de ‘Focolare Trinacional’. A vida eclesial aqui também está caminhando na direção da comunhão, promovendo iniciativas conjuntas entre as diversas dioceses”.

É evidente que a vida desta região e da comunidade local do Movimento dos Focolares não expressa somente a América Latina, mas o mundo inteiro. E manifesta que é possível caminhar juntos, mesmo sendo diferentes. É a espiritualidade da unidade que entra em contato com a essência mais profunda da identidade das pessoas e dos povos, fazendo florescer a humanidade comum e a fraternidade.

As palavras de Margaret Karram e Jesús Morán

“Eu me senti abraçada não por um, mas por três povos”, disse Margaret Karram. “Durante toda a minha vida, o meu sonho era viver em um mundo sem fronteiras. Aqui, tive a impressão de ver esse meu desejo profundo realizado, e é por isso que me sinto parte de vocês. Vocês são a confirmação de que somente o amor remove todos os obstáculos e elimina as fronteiras.”

“Eu vivi 27 anos na América Latina”, contou Jesús Morán, “mas nunca estive nesta região. Vocês passaram por muito sofrimento: os guaranis foram despojados de suas terras e dispersos. O que vocês estão fazendo hoje é importante, mesmo que seja pequeno. Não podemos reescrever a história, mas podemos seguir em frente e curar as feridas, acolhendo o grito de Jesus Abandonado. As feridas são curadas mediante novos relacionamentos inter-regionais também com os povos originários, porque eles são, de fato, os únicos genuinamente “trinacionais”. Eles também receberam a luz de Cristo; não nos esqueçamos do trabalho de evangelização e promoção humana que os jesuítas realizaram nesta região com “las Reduciones”, entre os anos 1600 e 1700. Hoje estamos conectados a essa história, a tudo o que a Igreja faz, e sabemos que a unidade é a resposta em um mundo que precisa de uma alma e de braços para fazer uma verdadeira globalização à altura da dignidade humana”.

Na conclusão, retomando a palavra, Margaret compartilhou aquilo que vivenciou neste mês: “Esta viagem aumentou em mim a fé, a esperança e a caridade. Na Amazônia, nos confins do mundo, a ‘fé’ emergiu com muita força. Conheci pessoas que acreditam firmemente que tudo é possível, mesmo as coisas mais difíceis. Elas sonham e realizam! Gostaria de ter nem que fosse uma pitada da fé delas, como diz o Evangelho: ‘Em verdade vos digo: se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta montanha: transporta-te daqui para lá, e ela se transportará, e nada vos será impossível’ (Mt 17,20). De lá, levo essa fé que move montanhas e a coragem de sonhar com grandes coisas. Em seguida, a palavra do Genfest, que não pode ser outra senão ‘esperança’. Vivemos juntos essa experiência: todo o Movimento estava comprometido com os jovens e para os jovens. Foi também um evento ecumênico e inter-religioso que deu muita esperança.

E, por fim, a ‘caridade’, que vi hoje aqui entre vocês e que tocamos com as próprias mãos nas muitas organizações sociais com as quais entramos em contato este mês: a Fazenda da Esperança, os inúmeros movimentos e as novas comunidades eclesiais com as quais nos reunimos em Fortaleza, o encontro da UniRedes, que reúne todas as organizações sociais e agências culturais da América Latina inspiradas pelo Carisma da Unidade [sobre as quais escreveremos à parte]. Tudo isso expressa ‘caridade’, porque toda realidade social nasce do amor ao próximo, do desejo de dar a vida pela própria gente.

Desta fronteira, nasce uma esperança para todas as comunidades do Movimento dos Focolares no mundo, mas não só no Movimento. Em dezembro passado, sugeri o projeto “Mediterrâneo da fraternidade”, para recolher todas as ações já em andamento e aquelas que surgirão, a fim de construir a paz naquela região que sofre tanto com a guerra. Também poderia partir daqui um projeto de ‘fraternidade para a América Latina’, que possa ser estendido a todos os seus países. Vamos confiá-lo a Maria!”.

Stefania Tanesini

Papa Francisco no Cazaquistão: ser “artesãos de comunhão”

Papa Francisco no Cazaquistão: ser “artesãos de comunhão”

Uma ponte entre Europa e Ásia. O Cazaquistão foi o país de destino da 38ª Viagem Apostólica do papa Francisco, que ocorreu de 13 a 15 de setembro de 2022. O motivo da visita foi o VII Congresso de Líderes Mundiais e Religiões Tradicionais. Começou ontem, 14 de setembro de 2022, no Palácio da Independência de Nur-Sultan, capital do Cazaquistão, o VII Congresso de Líderes Mundiais e Religiões Tradicionais, um evento que reuniu cerca de uma centena de delegações provenientes de 50 países e que colocou entre as prioridades a afirmação de paz, harmonia e tolerância como princípios sólidos da existência humana. Portanto, não foi por acaso que o mote dessa 38ª viagem papal tenha sido justamente “Mensageiros de paz e de unidade” e que o logo pensado para a ocasião represente uma pomba com um ramo de oliveira. Um forte chamado à fraternidade, como recordou o Pontífice dando início à sua fala: “que une a todos como filhos e filhas do mesmo Céu”. Em um tempo corroído por conflitos e esmagado pelo peso da desigualdade, declarou Francisco, “as religiões nos lembram de que somos criaturas (…). Assim, a dimensão de criatura que partilhamos estabelece uma comunhão, uma fraternidade real”. Ao citar um poeta do Cazaquistão, Abai, o papa ressaltou a importância de manter “a alma desperta e a mente límpida”. É disso que o mundo precisa, uma “religiosidade autêntica”, privada de todo tipo de fundamentalismo tóxico para qualquer crença. “Portanto, precisamos de religião para responder à sede de paz do mundo e à sede de infinito que habita o coração de cada homem”, continuou. Olhando para as problemáticas de hoje, sobretudo aquelas ligadas à vulnerabilidade causada pela pandemia “os que creem são chamados a cuidar”, disse o Santo Padre, ou seja, “a cuidar da humanidade em todas as suas dimensões, tornando-se artesãos de comunhão”. Uma exortação forte que representa um dos tantos desafios mundiais a ser enfrentado juntamente à indiferença pelas misérias alheias, o cuidado pela criação e a enorme dificuldade em criar um caminho de paz em um terreno que sofre com as guerras. “Avancemos juntos, para que o caminho das religiões seja cada vez mais amistoso”, concluiu Bergoglio, acrescentando um agradecimento especial ao Cazaquistão pelo “esforço em buscar sempre unir, provocar o diálogo, fazer amizades”. À tarde, no encerramento do segundo dia da viagem apostólica, Papa Francisco também celebrou a Santa Missa na praça do Expo, encontrando os católicos do país e de várias outras partes da Ásia. Alguns membros da pequena comunidade do Movimento dos Focolares presentes no território seguiram seus passos: “A visita do papa Francisco no Cazaquistão foi uma grande alegria para os católicos que moram aqui e não só isso”, disse Nikolay, um jovem pai de família de Amalty. “Nossa comunidade organizou uma peregrinação para ir a Nur-Sultan. Era importante estar ali e orar com o papa”, continua. Uma oração comunitária que parece exprimir o desejo colocado no coração de todos, aquele de chegar à alegria de um mundo unido semeando o bem. Ser “mensageiros de paz”, para Nikolay, quer dizer: “O Cazaquistão é um país multinacional, no qual convivem diversas nacionalidades, e cada habitante respeita as diversas tradições religiosas do outro. Os muçulmanos cumprimentam os cristãos na Páscoa e no Natal e os cristãos, por sua vez, cumprimentam os mulçumanos pelas festas deles. Em várias situações difíceis, cada um procura ajudar o próximo, independentemente do fato de ser do Cazaquistão, da Rússia ou do Quirguistão, mas é um percurso que deve-se renovar continuamente”. É o que o papa Francisco também confirma citando, em sua homilia, uma parte do discurso que São João Paulo II fez durante sua viagem ao Cazaquistão em setembro de 2001 e que deixa a cada um alerta a seguir: “a paz nunca é conquistada de uma vez por todas, é conquistada a cada dia, assim como a convivência entre as etnias e tradições religiosas diversas, o desenvolvimento integral, a justiça social. E para que o Cazaquistão cresça ainda mais na ‘fraternidade, no diálogo e na compreensão (…) para lançar pontos de cooperação solidária com os outros povos, nações e culturas’[1], é necessário haver o comprometimento de todos”.

Maria Grazia Berretta

[1] S. João Paulo II, Discurso durante a cerimônia de boas-vindas, 22 de setembro de 2001

Brasil, Mariápolis Ginetta: 50 anos de unidade e diálogo com a sociedade

Brasil, Mariápolis Ginetta: 50 anos de unidade e diálogo com a sociedade

A Mariápolis Ginetta celebrou seu jubileu de ouro em 15 de agosto de 2022. O sonho dos pioneiros agora é uma realidade: um farol de unidade, de diálogo e de uma nova sociedade para todos. Desde sua origem, a Igreja Católica tem procurado de várias maneiras viver o mandato de Jesus na chamada oração sacerdotal: “Pai, que eles sejam um, como nós somos um” (cf. Jo 17-21). Unidade e diálogo são, ainda hoje, a base das ações e de teorias eclesiais, e foi precisamente durante a Segunda Guerra Mundial, na cidade de Trento, na Itália, que Chiara Lubich, então com 21 anos, percebeu que queria viver e difundir a unidade entre todos os povos do mundo, crentes e não-crentes. No Brasil, através da Mariápolis Ginetta, esta missão tem sido frutífera há 50 anos. A “cidade sobre o monte” Ao fundar o Movimento dos Focolares, e tomando suas experiências como ponto de partida, Chiara Lubich pensou que seria bom estabelecer cidades “sobre o monte” que fossem visíveis e luminosas, como verdadeiros faróis para a sociedade, onde as pessoas pudessem viver em comunhão umas com as outras, com o Evangelho e com a presença constante de Deus. Hoje, no mundo existem 35 Mariápolis permanentes, como são chamadas essas pequenas cidades nascidas dos Focolares. Três delas estão localizadas no Brasil: a Mariápolis Santa Maria, perto de Recife; a Mariápolis Glória, perto de Belém e a Mariápolis Ginetta, localizada no Estado de São Paulo, em Vargem Grande Paulista, que na Festa da Assunção, 15 de agosto, celebrou seu jubileu de ouro. A Mariápoli Ginetta Fruto da providência de Deus, testemunhada por muitas ações, tem sido um lugar de encontros de espiritualidade e sociais para milhares de pessoas de muitas partes do mundo. Habitada por famílias, pessoas consagradas, leigos, sacerdotes e até mesmo pessoas de outras denominações religiosas, a cidade emblemática é um espaço onde cada visitante pode experimentar a presença de Deus. Karina Gonçalves Sobral, que vive com seu marido e duas filhas na comunidade, enfatiza a importância da espiritualidade da unidade e dos valores contidos na cultura local: “A Mariápolis tem como missão ser um lugar de encontro, um lar aberto para todos. E é verdadeiramente para todos. Aqueles que vêm aqui devem se sentir bem-vindos. É parte do nosso carisma, que é acolhedor”. “Em relação aos vários terrenos que nos tinham sido propostos para a instalação da Mariápolis, há cinquenta anos, este em Vargem Grande realmente parecia ter as características certas para ser um espaço fecundo, onde pudéssemos encarnar visivelmente o Ideal da unidade. Aqui nos estabelecemos e hoje celebramos um marco importante”, diz Maria do Socorro Pimentel, uma focolarina que vive na cidadela há mais de 40 anos. A presença da Fundadora Chiara Lubich visitou várias vezes o Brasil, e em uma de suas viagens, em 1991, percebendo a grande desigualdade social da população brasileira, foi particularmente inspirada. Nessa ocasião, ela criou, precisamente na Mariápolis Ginetta, a Economia de Comunhão, cujo principal objetivo é desenvolver uma rede de empresas que compartilham seus lucros, contrastando a cultura do ter com a cultura do dar. A Mariápolis recebeu o nome de uma das primeiras companheiras de Chiara Lubich, a Serva de Deus Ginetta Calliari, uma das maiores apoiadoras da construção desta “cidade sobre o monte” e uma das responsáveis pelo início do Movimento dos Focolares no Brasil. O seu corpo está enterrado no cemitério da Cidadela, onde muitos dos fiéis vão pedir graças.

Reconhecimento Já em maio de 2022, o município de Vargem Grande Paulista reconheceu o trabalho social e espiritual realizado pelo Movimento dos Focolares na cidade e a importância não só de seu Centro Mariápolis, mas de todas as obras que são realizadas envolvendo crianças, adolescentes e jovens. Não se pode esquecer o trabalho das casas para os sem-teto e seu Sistema de Comunicação, que trouxe investimento, parceria e notoriedade à cidade. Por ocasião da Santa Missa celebrada na segunda-feira, 15 de agosto de 2022, por Dom João Bosco, Bispo de Osasco, o Papa Francisco enviou a Bênção Apostólica escrita como sinal de gratidão por esta missão realizada pelo Movimento dos Focolares na cidade, no Estado de São Paulo e em todo o Brasil.

Ronnaldh Oliveira (do artigo publicado em cancaonova.com)

Bolívia: nas ruas da nossa cidade

Bolívia: nas ruas da nossa cidade

O testemunho dos voluntários da “Casa de los Niños” (Casa das Crianças), de Cochabamba (Bolívia), obra inspirada na espiritualidade da unidade, empenhados incansavelmente em cuidar dos contaminados pela COVID-19 e consolar os moribundos. Voltamos a percorrer as ruas da nossa cidade com um pouco de inconsciência e muita ingenuidade. Este vírus amedronta a todos, incita a isolar-se uns dos outros. Mas somos conscientes da importância e da necessidade daquilo que nos é pedido com extrema urgência. É por isso que jamais recuamos, mesmo tomando as precauções necessárias. Os testes que realizamos pontualmente cada semana continuam a dar resultados negativos. Talvez alguém estenda uma mão misericordiosa sobre a nossa ingenuidade. Aqui, começou a estação do frio e as contaminações por Covid-19 aumentaram exponencialmente. Atingimos um número sem precedentes, os hospitais públicos encontram-se em colapso. As pessoas estão morrendo nos carros, à espera que se libere um leito de hospital… Mesmo nas clínicas privadas muito dispendiosas, as internações foram suspensas. O oxigênio não está mais disponível e existem longas filas para o reabastecimento nos dois únicos lugares habilitados para este serviço, a pagamento. Um cilindro de 6 m³ dura menos de 5 horas! Os medicamentos especializados só estão disponíveis no mercado clandestino: cada ampola custa em torno de 1300 euros! Este ano, as pessoas atingidas pelo vírus são muito mais jovens. Nós levamos oxigênio e remédios  onde quer que sejamos chamados. Temos licenças para viajar todos os dias e a qualquer hora do dia. Nossa van, muito espaçosa se transformou em uma ambulância e infelizmente, muitas vezes, em um carro fúnebre, sem custo algum. O tempo passa rapidamente para os menos favorecidos e com dificuldade respiratória, por isso também nós corremos e não há tempo para pensar em nós mesmos. Levamos oxigênio e medicamentos, mas para falar a verdade, nos esforçamos, sobretudo em levar sementes de esperança. Às vezes acontece de conhecermos pela primeira vez aqueles que visitamos, mas imediatamente se estabelece uma espécie de cumplicidade que desperta a esperança. E, pouco a pouco, o medo se dissipa e vemos as pessoas sorrirem serenamente. Conosco levamos também o terço que não é um amuleto mágico, não, é a coroa, de nós que desejamos confiar ao coração de nossa Mãe do Céu, as grandes aflições e dores deste tempo, de tantos irmãos e irmãs. Faz parte da oxigenoterapia: fornecer ar ao coração de quem sofre! Todas as noites nos encontramos para a oração comunitária da nossa cidadezinha, no jardim, em frente à linda capela que conserva as histórias de muitas das nossas crianças que já voaram para o céu. Rezamos diante da estátua da “Virgem Urcupina”, padroeira de Cochabamba, que leva nos braços seu Filho. A nossa é uma oração que sobe direta ao céu e para fixar os nomes de muitos que visitamos durante o dia. Pedimos para cada um deles uma luz divina, necessária para iluminar a noite de suas dores.

Os voluntários da “Casa de los Niños” – Cochabamba (Bolívia)

   

Dar uma alma à cidade

Dar uma alma à cidade

Com uma linguagem simples, como a de Jesus que, para explicar o “seu reino”, usava termos e comparações ao alcance de todos, Sándor começou a contar como procurava concretizar o Evangelho em tudo o que fazia. Ao redor dele formou-se um assíduo grupo de agricultores e, periodicamente, reuniam-se para compartilhar alegrias, sofrimentos, conquistas e progressos. Brotou neles a convicção de possuir uma missão. O seu relacionamento com a natureza, fonte de sabedoria, era um bem a ser transmitido inclusive a quem estava na cidade. Dessa fagulha até o ponto de ir visitar os prefeitos foi muito rápido. Dos encontros entre agricultores e prefeitos emergiu a grande necessidade de criar uma alternativa à globalização que massifica e apaga valores e tradições. E assim, em setembro de 2016, realizaram um encontro que, com experiências e palestras de especialistas, tinha o objetivo de buscar uma maneira de “dar uma alma” à cidade, partindo da zona rural. Eram 350 os participantes, dos quais 20 prefeitos. Em setembro passado, o segundo encontro, desta vez em Újkígyós, um município no sudeste da Hungria, que, apesar do frio antecipado, teve 500 participantes, 27 estandes que expunham queijos, tapetes feitos à mão, mel, pequenos móveis, geleias… Com gratuidade e generosidade os agricultores provenientes de muitos municípios, vilas e campos, ofereceram o melhor de seus produtos culinários e de artesanato. Levaram até cavalos para que as crianças passeassem. Uma verdadeira festa popular. Os conferencistas, especialistas em ecologia, agricultura, poluição sonora, pesquisadores e professores universitários, já estavam ligados entre si por uma amizade real. E este não é só o segredo do sucesso, mas também o caminho realizável para chegar a dar uma contribuição de verdadeira fraternidade. Inclusive o prefeito daquele município, que colocou grupos folclóricos à serviço do evento, salientou que via na comunidade uma “nova alma”. O pároco sublinhou a eficácia do modo de evangelizar que havia experimentado. Um dos organizadores afirmou: «Não tivemos nenhuma ajuda política ou de instituições: tudo foi um presente. O encontro não custou um centavo, das cadeiras, às cortinas e mesas… aqui, como se vê, todos sentem-se irmãos, porque nas comunidades rurais o relacionamento humano, a amizade, é a força vitoriosa. Nas cidades há outros modos de relacionar-se. Criam-se círculos, clubes de interesse, locais de lazer… mas as pessoas estão isoladas. Os moradores de um condomínio não se conhecem entre si. Sentimos que o povo do campo pode dar uma contribuição à cidade, pode ser “a alma”. O agricultor, pelo contato que tem com a natureza, nutre uma alma religiosa e sabe o valor e o preço de cada coisa, e reconhece no homem a sacralidade para a qual constantemente o Papa Francisco nos chama. Este encontro parece-nos um pequeno passo, não apenas para a própria Igreja, mas para a sociedade». Participou também Csaba Böjte (ofm), um franciscano da Transilvânia (Romênia), famoso não só em sua terra, mas na Hungria e no leste da Europa, aonde, com a colaboração de voluntários, desde 1992 assiste crianças e adolescentes com situações familiares difíceis. Atualmente são 82 casas que hospedam 2500 crianças. Sándor lançou uma pedra na água e as suas ondas se expandem, se expandem. Tanino Minuta