Movimento dos Focolares

Covid, um mal comum para redescobrir o bem comum

Nov 7, 2020

O economista Luigino Bruni, um dos especialistas chamados pelo papa Francisco para fazer parte da Comissão vaticana COVID-19, tem certeza de que a lição da pandemia ajudará a redescobrir a verdade profunda conectada à expressão “bem comum”.

O economista Luigino Bruni, um dos especialistas chamados pelo papa Francisco para fazer parte da Comissão vaticana COVID-19, tem certeza de que a lição da pandemia ajudará a redescobrir a verdade profunda conectada à expressão “bem comum”. Saúde, educação, segurança são os alicerces de qualquer nação e por isso não podem entrar no jogo dos lucros. O economista Luigino Bruni, um dos especialistas chamados pelo papa Francisco para fazer parte da Comissão vaticana COVID-19 (Projeto “COVID-19 Construir um Futuro Melhor”, criado em colaboração com o Dicastério para a Comunicação e o Desenvolvimento Humano Integral), tem certeza de que a lição da pandemia ajudará a redescobrir a verdade profunda conectada à expressão “bem comum”. Porque, sustenta, tudo é fundamentalmente bem comum: a política em seu sentido maior, a economia que olha para o homem antes do lucro. E neste novo paradigma global que pode nascer no pós-COVID, a Igreja, afirma, deve ser “fiadora” desse patrimônio coletivo, já que está extrínseca à lógica do mercado. A esperança, para Bruni, é que essa experiência condicionada por um vírus sem fronteiras não nos deixe esquecer “a importância da cooperação humana e da solidariedade global”. O senhor faz parte da Comissão vaticana COVID-19, o mecanismo de resposta instituído pelo papa Francisco para enfrentar uma pandemia sem precedentes. Pessoalmente, o que espera aprender com essa experiência? De que modo a sociedade, com suas complexidades, poderá se inspirar no trabalho da Comissão? A coisa mais importante que aprendi com essa experiência é a importância do princípio de precaução e do bem comum. O princípio de precaução, pilar da Doutrina da Igreja, a grande ausência na fase inicial da epidemia, nos diz algo extremamente importante: o princípio de precaução é vivido de modo obsessivo a nível individual (basta pensar nos seguros que estão invadindo o mundo), mas está totalmente ausente a nível coletivo, o que torna as sociedades do século 21 extremamente vulneráveis. É por isso que os países que adotaram o Estado de bem-estar social se mostraram muito mais fortes do que aqueles administrados totalmente pelo mercado. E o bem comum: como um mal comum nos revelou o que é um bem comum, a pandemia nos fez ver que com os bens comuns é necessário ter a comunidade e não só o mercado. A saúde, a segurança, a educação não podem ser deixadas à mercê dos lucros. O papa Francisco pediu à Comissão COVID-19 para preparar o futuro ao invés de preparar-se para o futuro. Neste desafio, qual deveria ser o papel da Igreja católica como instituição? A Igreja católica é uma das pouquíssimas (se não a única) instituição que garante e protege o bem comum global. Não havendo interesses privados, pode perseguir o interesse de todos. Por isso é muito escutada hoje, por essa mesma razão tem uma responsabilidade de agir em escala mundial. Quais ensinamentos pessoais (se houver) o senhor tirou da experiência desta pandemia? Quais mudanças concretas o senhor espera ver depois desta crise, seja do ponto de vista pessoal ou global? O primeiro ensinamento é o valor dos bens relacionais: não podendo nos abraçar nesses meses, redescobri o valor de um abraço e de um encontro. O segundo: podemos e devemos fazer muitas reuniões online, adotar o home office e horários flexíveis, mas para as decisões importantes e para os encontros decisivos, o online não basta, precisamos do encontro físico. Portanto, a explosão do virtual está nos fazendo descobrir a importância dos encontros em carne e osso e da inteligência dos corpos. Espero que não esqueçamos as lições desses meses (porque o homem esquece muito rápido), em particular a importância da política como a redescobrimos nesses meses (como a arte do bem comum contra os males comuns), e que não nos esqueçamos da importância da cooperação humana e da solidariedade global. Preparar o mundo pós-COVID significa também preparar as gerações futuras, aquelas que amanhã serão chamadas a decidir, a traçar novos caminhos. A educação, nesse sentido, não é só uma “despesa” a ser repensada, inclusive nos tempos de crise? A educação, sobretudo a das crianças e dos jovens, é muito mais do que uma “despesa”… é o investimento coletivo com a taxa mais alta de rendimento social. Espero que quando as escolas reabrirem, nos países onde ainda estão fechadas, seja um dia de festa nacional. A democracia começa nos bancos da escola e ali renasce em cada geração. O primeiro patrimônio (patres munus) que passamos entre as gerações é aquele da educação. Dezenas de milhões de meninos e meninas no mundo não têm acesso à educação. Pode-se ignorar o artigo 26 da Declaração dos Direitos Humanos que garante o direito à educação a todos, gratuita e obrigatória, pelo menos nos graus elementares e fundamentais? Claramente não deveria ser ignorado, mas não podemos pedir que o custo da escola seja sustentado inteiramente por países que não têm recursos suficientes. Deveríamos dar vida logo a uma nova cooperação internacional com o slogan: “a escola para crianças e adolescentes é um bem comum global”, em que os países com mais recursos ajudem os que têm menos a tornar real o direito ao estudo gratuito. Essa pandemia está nos mostrando que o mundo é uma grande comunidade, devemos transformar esse mal comum em novos bens comuns globais. Também nos países ricos, o gasto com a educação sofreu cortes, às vezes gigantes. Pode haver um interesse em não investir nas gerações futuras? Se a lógica econômica tiver a vantagem, aumentarão os pensamentos do tipo: “por que devo fazer algo pelas futuras gerações, o que elas fizeram por mim?”. Se o quid pro quo, o comportamento comercial, se tornar a nova lógica das nações, investiremos sempre menos nas escolas, faremos sempre mais dívidas que as crianças de hoje pagarão. Devemos ser generosos, cultivar virtudes não-econômicas como a compaixão, a gentileza, a generosidade. A Igreja católica está na linha de frente para oferecer educação aos mais pobres. Mesmo em condições de grande dificuldade econômica, porque como vemos neste período de pandemia, o lockdown teve um impacto considerável nas escolas católicas. Mas a igreja está aqui e acolhe todos, sem distinção de fé, abrindo espaços de encontro e diálogo. O quanto é importante esse último aspecto? A Igreja sempre foi uma instituição do bem comum. A parábola de Lucas não diz qual era a fé do homem meio morto socorrido pelo samaritano. É justamente durante as grandes crises que ela recupera a sua vocação de “Mater et magistra”, que aumenta a estima dos não-cristãos pela Igreja, que volta a ser aquele mar que acolhe a todos para doar tudo a todos, principalmente aos mais pobres, porque a Igreja sempre soube que o indicador de todo bem comum é a condição dos mais pobres. Quais resultados pode trazer o ensino da religião, das religiões, em um mundo sempre mais tentado a se dividir, e que favorece o entretenimento do medo e da tensão? Depende de como se ensina. A dimensão ética presente em toda religião não é o suficiente. O grande ensinamento que as religiões podem dar hoje tem a ver com a vida interior e a espiritualidade, porque a nossa geração, no intervalo de poucas décadas, gastou um patrimônio milenar construído de sabedoria antiga e de piedade popular. As religiões devem ajudar os jovens e a todos a reescrever uma nova gramática da vida interior, e se não o fizerem, a depressão será a peste do século 21.

Fonte: Vatican News

Clique aqui para ver a entrevista em inglês

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