Movimento dos Focolares

Palavra de vida – Julho de 2007

Entre os anos 50 e 60 o apóstolo Paulo tinha visitado a região da Galácia, no centro da Ásia Menor, atual Turquia. Surgiram comunidades cristãs que abraçaram a fé com grande entusiasmo. Paulo lhes revelara Jesus crucificado, e eles tinham recebido o batismo, o qual os revestira de Cristo, comunicando-lhes a liberdade dos filhos de Deus. Eles “corriam bem” no novo caminho, como o próprio Paulo reconhece.
Depois, inesperadamente, buscam a própria liberdade por outros caminhos. Paulo fica admirado com o fato de eles terem voltado as costas a Cristo tão depressa. Daí o convite insistente para reencontrarem a liberdade que Cristo lhes tinha dado:

“Fostes chamados para a liberdade”

A que tipo de liberdade somos chamados? Já não podemos fazer o que queremos? “Nunca fomos escravos de ninguém”, era o que diziam, por exemplo, os contemporâneos de Jesus quando Ele afirmava que a verdade trazida por Ele os tornaria livres. E Jesus respondera: “Todo aquele que comete o pecado é escravo do pecado”1.
Existe uma escravidão traiçoeira, fruto do pecado, que prende o coração humano. Conhecemos bem a variedade de suas manifestações: a preocupação só consigo mesmo, o apego aos bens materiais, o hedonismo, o orgulho, a ira…
Sozinhos, jamais seremos capazes de nos libertar radicalmente dessa escravidão. A liberdade é um dom de Jesus: Ele nos libertou, fazendo-se nosso servo e dando a vida por nós. Daí o convite a sermos coerentes com a liberdade que nos foi dada.
Essa liberdade “não significa tanto a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, quanto de caminhar sempre mais rumo ao bem”, afirma Chiara Lubich, dirigindo-se aos jovens. E prossegue: “Tenho constatado que o bem liberta, o mal escraviza. Ora, para ter a liberdade é preciso amar. Pois aquilo que nos torna mais escravos é o nosso eu. Ao passo que, pensando sempre no outro, ou na vontade de Deus quando cumprimos os próprios deveres, ou no próximo, não pensamos em nós e somos livres de nós mesmos”2.

“Fostes chamados para a liberdade”

Como podemos, então, viver esta Palavra de Vida? O próprio Paulo nos dá a indicação quando, logo após ter-nos lembrado que fomos chamados para a liberdade, explica que a mesma consiste em nos fazermos “escravos uns dos outros”, “pelo amor”, “pois toda a lei se resume neste único mandamento: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”3.
Esse é o paradoxo do amor: somos livres quando por amor nos colocamos a serviço dos outros; quando, contrariando os impulsos egoístas, nos esquecemos de nós mesmos e estamos atentos às necessidades dos outros.
Somos chamados à liberdade do amor: somos livres para amar! Sim, “para ter a liberdade é preciso amar”.

“Fostes chamados para a liberdade”

O bispo Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, preso por causa de sua fé, permaneceu encarcerado por 13 anos. Mas também aí ele se sentia livre, porque tinha sempre a possibilidade de amar, pelo menos, os carcereiros.

Ele mesmo conta: «Quando me isolaram dos outros companheiros na prisão, puseram cinco guardas para me vigiar, seguindo um rodízio. Dois deles sempre estavam comigo. Os seus chefes lhes haviam dito: “De quinze em quinze dias vocês serão substituídos por outro grupo, para não serem ‘contaminados’ por esse bispo perigoso”. Após algum tempo mudaram de idéia: “Não vamos mais fazer o rodízio, senão esse bispo ‘contaminará’ todos os soldados”.
No começo, os guardas não falavam comigo. Respondiam apenas sim ou não. Era realmente triste. (…) Evitavam falar comigo.
Uma noite, veio-me à mente um pensamento: “Francisco, você é muito rico, tem o amor de Cristo no coração; ame-os como Jesus amou você”.
No dia seguinte comecei a querer-lhes bem ainda mais, a amar Jesus na pessoa de cada um deles, sorrindo e trocando palavras gentis. Contei como tinham sido minhas viagens ao exterior (…) Quiseram aprender línguas estrangeiras, como o francês, o inglês… Em suma, os meus guardas tornaram-se meus alunos! 4»

Organização de Fabio Ciardi e Gabriella Fallacara

1) Cf. Jo 8,31-34);
2) Respostas às perguntas dos jovens, Palaeur, Roma, 20/05/1995;
3) Cf. Gl 5,13-14;
4) Testemunhas da Esperança, São Paulo: Cidade Nova, 2002, p. 82.

Junho 2007

O Evangelho fascina com as suas palavras, que são verdade. Nele fala Aquele que disse: “Eu sou a Verdade”. Diante de nós, Ele abre de par em par o mistério infinito de Deus e nos faz conhecer o seu projeto de amor pela humanidade: Ele dá a Verdade.
Mas a Verdade tem a profundidade infinita do mistério. Como podemos compreendê-la e vivê-la na sua plenitude? O próprio Jesus sabe que não somos capazes de suportar o “peso” da Verdade. Por isso, durante a sua última ceia com os discípulos, antes de voltar ao Pai, promete enviar-nos o Espírito Santo, para que seja Ele a explicar-nos as suas palavras e a nos fazer vivê-las.

«O Espírito da Verdade vos conduzirá na verdade plena»

A comunidade dos fiéis conhece a verdade porque vive de Jesus.
Ao mesmo tempo está caminhando rumo à “plenitude da verdade”, guiada com segurança pelo Espírito.
A história da Igreja pode ser lida como a história da compreensão gradual e cada vez mais profunda do mistério de Jesus e da sua Palavra. O Espírito Santo a conduz ao longo desse caminho, dos modos mais variados: com a contemplação e o estudo dos fiéis, com os carismas dos santos, com o Magistério da Igreja.
O Espírito fala também no coração de cada fiel – é lá que Ele mora – fazendo-o escutar a sua “voz”. Vez por vez, Ele sugere perdoar, servir, doar, amar. Ensina a distinguir o bem do mal. Lembra e faz viver as Palavras de Vida que o Evangelho semeia em nós, mês por mês.

«O Espírito da Verdade vos conduzirá na verdade plena»

Como viveremos esta Palavra de Vida? Escutando aquela “voz” que fala em nós, na docilidade ao Espírito Santo, que guia, exorta, impulsiona.
Chiara Lubich esclarece que “o cristão deve caminhar sob o impulso do Espírito, a fim de que Ele mesmo, com a sua potência criadora, possa operar no coração do fiel para levá-lo à santificação, divinização e ressurreição”.
Para compreendermos melhor essa “voz” interior, de certo modo amplificando-a, Chiara convida a vivermos em unidade entre nós, para aprendermos a escutar a voz do Espírito não apenas dentro de nós, “mas também a voz d’Ele presente entre nós, unidos no Ressuscitado”.
Quando Jesus está entre nós, o Espírito “aperfeiçoa a escuta da sua voz em cada um de nós. Pela presença de Jesus em nosso meio, a voz do Espírito é como um alto-falante da sua voz em nós”.

“O nosso parecer sobre o melhor modo de amar o Espírito Santo, de honrá-Lo, de tê-Lo conosco no nosso coração, sempre foi o de escutar a sua voz, que pode iluminar-nos em todos os momentos da nossa vida (…). E, escutando ‘essa’ voz, pudemos constatar, com grande surpresa, que se caminha para a perfeição: os defeitos, aos poucos, desaparecem e as virtudes se tornam mais evidentes”.

«O Espírito da Verdade vos conduzirá na verdade plena»

Essa Palavra de Vida, que é uma frase da liturgia da Festa da Santíssima Trindade, nos convida a invocar o Espírito Santo:
 “Ó Espírito Santo, não te pedimos outra coisa senão Deus por Deus. (…)
Permite que vivamos a vida que nos resta (…) exclusivamente, sempre e a todo momento, em função de ti somente, o único a quem queremos amar e servir.
Deus! Deus, puro espírito, a quem a nossa humanidade pode servir de cálice vazio para d’Ele se preencher…
Deus, que deve transparecer em nosso espírito, em nosso coração, em nosso rosto, em nossas palavras, em nossos gestos, em nosso silêncio, em nosso viver, em nosso morrer, em nosso aparecer, depois do nosso desaparecer da terra, onde podemos e devemos deixar só um rastro luminoso da sua presença, d’Ele presente em nós, entre as matérias e as misérias do mundo, que vive ou desmorona no louvor ou na vaidade de todas as coisas, para submissão ou remoção de tudo a fim de dar lugar ao Tudo, ao Único, ao Amor.”

Aos cuidados de Fabio Ciardi e Gabriella Fallacara

maio de 2007

Jesus está sentado à mesa com seus amigos. É a última ceia antes de partir deste mundo, o momento mais solene para transmitir sua última vontade, um verdadeiro testamento: “Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”1. Pelos séculos afora, será esta a característica que permitirá identificar os discípulos de Jesus, é nisto que todos os reconhecerão.
Foi assim desde o início. A primeira comunidade dos fiéis, em Jerusalém, gozava da estima e da simpatia de todo o povo justamente pela sua unidade2, a ponto de atrair, cada dia, novas pessoas que a ela se uniam3.

Também anos mais tarde Tertuliano, um dos primeiros escritores cristãos, referia o que se dizia a respeito dos cristãos: “Vede como se amam entre si e como estão prontos a dar a vida uns pelos outros”4. Era a realização das palavras de Jesus:

«Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros»

O amor recíproco é, portanto, “o hábito dos cristãos comuns, que, velhos e jovens, homens ou mulheres, casados ou não, adultos e crianças, doentes ou sadios, podem vestir para gritar, em toda parte e sempre, com a própria vida, Aquele em quem crêem, Aquele a quem querem amar”5.
Na unidade que nasce do amor mútuo entre os discípulos de Jesus de certo modo reflete-se e torna-se visível aquele Deus que Ele revelou como Amor: a Igreja é ícone da Trindade6.
Hoje, mais do que nunca, é esse o caminho para anunciar o Evangelho. Uma sociedade freqüentemente atordoada por um excesso de palavras, mais do que mestres, procura testemunhas, mais do que palavras, quer modelos. Ela tende mais facilmente a participar quando encontra um Evangelho feito vida, capaz de criar relacionamentos novos, marcados pela fraternidade e pelo amor.

«Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros»

Como podemos viver essa Palavra de Vida? Mantendo vivo entre nós o amor mútuo e formando em toda parte “células vivas”.
“Se numa cidade” – escreveu Chiara Lubich –, “nos mais diferentes pontos, se acendesse o fogo que Jesus trouxe à terra, e esse fogo, graças à boa vontade dos habitantes, resistisse ao gelo do mundo, teríamos em breve a cidade acesa de amor de Deus.
O fogo que Jesus trouxe à terra é Ele mesmo, é caridade, aquele amor que não só une a alma a Deus, mas as pessoas entre si. (…)
Duas ou mais almas, fundidas no nome de Cristo, que não só não têm medo nem vergonha de se comunicarem recíproca e explicitamente o seu desejo de amor a Deus, mas que fazem da unidade entre si em Cristo o seu ideal, são uma potência divina no mundo.
E, em cada cidade, essas pessoas podem surgir nas famílias: pai e mãe, filho e pai, nora e sogra; podem se achar nas paróquias, nas associações, nas agremiações humanas, nas escolas, nos escritórios, em toda parte.
Não é necessário que já sejam santas, porque Jesus o teria dito; basta que estejam unidas em nome de Cristo e jamais venham a faltar a essa unidade. Naturalmente, estão destinadas a ficar por pouco tempo duas ou três, porque a caridade é difusiva por si mesma e aumenta em proporções desmedidas.
Cada pequena célula, acesa por Deus num ponto qualquer da Terra, espalhar-se-á necessariamente e a Providência distribuirá essas chamas, essas almas-chamas, onde lhe aprouver, a fim de que o mundo seja restaurado em muitos lugares ao calor do amor de Deus, e recupere a esperança”7.

Aos cuidados de Fabio Ciardi e Gabriella Fallacara

1) Jo 13,34;
2) Cf. At 2,47; 4,32; 5,13;
3) Cf. At 2,47;
4) Cf. Apologético 39,7;
5) Chiara Lubich, O hábito dos cristãos. In Ideal e Luz. São Paulo: Cidade Nova, 2003, p. 126;
6) Cf. Lumen gentium, 2-4;
7) Chiara Lubich, Se numa città se ateasse fogo. In Meditações. São Paulo: Cidade Nova, 1963, p. 63. 

PALAVRA DE VIDA DE ABRIL DE 2007

No dia dos Ázimos, festa da Páscoa, na “sala do andar de cima”, Jesus partilha a sua última ceia com os seus discípulos. Depois de ter partido o pão e feito circular o cálice do vinho, doa-lhes o ensinamento conclusivo: na sua comunidade, é maior quem se faz o menor de todos, e quem governa é como aquele que serve.
No relato de João, Jesus faz também um gesto eloqüente para mostrar a novidade do relacionamento que Ele veio instaurar entre todos os seus discípulos. Contra a lógica comum de superioridade e de comando, Jesus lava os pés dos apóstolos (naquela última ceia, eles se perguntavam quem podia ser considerado “o maior entre eles”).

«Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve»

“Amar quer dizer servir. Este foi o exemplo de Jesus” – diz Chiara Lubich numa de suas palestras.(1)
Servir, palavra que parece escravizar a pessoa. Muitas vezes, não consideramos de nível inferior aqueles que servem? Além disso, todos desejamos ser servidos. E exigimos isso das instituições públicas (não se chama “ministro” aquele que detém responsabilidades extremas?), exigimos dos serviços sociais (não se chamam justamente “serviços”?). Agradecemos ao balconista quando somos bem atendidos, ao funcionário quando agiliza a nossa papelada, ao médico e aos enfermeiros quando cuidam da nossa saúde com competência e atenção…
Se é isso que esperamos dos outros, talvez seja isso que os outros esperam de nós.
A palavra de Jesus desperta em nós cristãos a consciência de que temos uma dívida de amor para com todos. Com Ele e do mesmo modo que Ele, nós também deveríamos repetir diante de cada pessoa com a qual vivemos ou que encontramos em nosso trabalho:

«Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve»

Chiara Lubich lembra ainda que o cristianismo é “servir, servir a todos, reconhecer todos como patrões nossos. Porque, se somos servos, os outros são patrões. Servir, servir, desde o mais insignificante, procurar alcançar a primazia evangélica, sim, mas pondo-se a serviço de todos. (…) O cristianismo é coisa séria; não é uma coisa de fachada, um pouco de compaixão, um pouco de amor, um pouco de esmola. Ah, não! É fácil dar esmolas para ficar com a consciência tranqüila e depois comandar, oprimir.”
Como se faz para servir? A esse propósito, Chiara apontava uma simples expressão: “viver o outro”, ou seja, “procurar penetrar no íntimo do outro, nos seus sentimentos, procurar carregar os seus fardos”. E ela exemplificava: “Como faço, com as crianças? Querem que eu brinque com elas? Eu brinco! Devo ficar ao lado de alguém que quer ver televisão ou quer dar um passeio? A vontade seria dizer que é perda de tempo: “Não, não é tempo perdido, é amor, é tempo ganho, porque é preciso fazer-se um por amor”.
“Devo mesmo levar um guarda-chuva a alguém que está precisando? Devo mesmo arrumar a mesa?” “Devo sim, porque o serviço que Jesus pede não é um serviço abstrato, não é a sensação de um serviço. Jesus falava de um serviço concreto, com os músculos, com as pernas, com a mente; é preciso servir.”(2)

«Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve»

Então, já sabemos como viver essa Palavra de Vida: dando atenção ao outro e respondendo com prontidão às suas exigências, amando com ações.
Às vezes, significa melhorar o próprio trabalho, executá-lo com competência e perfeição cada vez maiores; pois, com ele servimos à comunidade.
Outras vezes, é atender a pedidos de ajuda que vêm de longe ou de perto, de idosos, de desempregados, de pessoas portadoras de necessidades especiais, daqueles que vivem sozinhos; ou então, de migrantes, vítimas de calamidades naturais, atender a pedidos de adoções, ajudar projetos humanitários.
Quem tiver cargos de responsabilidade deixará de lado as atitudes odiosas de autoritarismo, lembrando que todos somos irmãos e irmãs.

Se fizermos tudo sendo amor, descobriremos que, como diz um antigo ditado cristão, “servir é reinar”.

Aos cuidados de Fabio Ciardi e Gabriella Fallacara

1) Palestra de Chiara Lubich em Payerne (Suíça), 26 de setembro de 1982; 
2) Ibid.

Março 2007

Esta Palavra de Vida é extraída de um salmo que enaltece a intervenção decisiva e poderosa de Deus, que liberta o seu povo do exílio da Babilônia e que continua intervindo, ao longo da sua história, toda vez que vê esse povo abatido, desencorajado, ameaçado pelo mal.
É a história de cada um de nós, resumida numa imagem muito expressiva: por um lado, a incerteza, a expectativa do semeador que lança na terra a semente (vai fazer tempo bom? a semente vai germinar?); por outro lado, a sua alegria pela colheita dos frutos almejados.

«Quem semeia entre lágrimas colherá com alegria»

Quando pensamos na nossa vida – escreveu Chiara Lubich – muitas vezes a imaginamos toda harmoniosa, como “uma série de dias vividos no esforço de torná-los cada vez mais perfeitos, com o trabalho bem executado, com o estudo, com o repouso, com as horas transcorridas na família, com os encontros, os congressos, o esporte, com as horas dedicadas ao lazer… vividos na ordem e na paz (…). Existe sempre no coração humano a esperança de que as coisas aconteçam assim e somente assim.
Na realidade, a nossa “Santa viagem” acaba se apresentando de maneira diferente, porque Deus quer que seja diferente. E Ele introduz diretamente no nosso programa outros elementos que ele quer ou permite, para que a nossa existência adquira o verdadeiro sentido e alcance o objetivo para o qual foi criada. Daí as dores físicas e espirituais, daí as doenças, daí uma infinidade de sofrimentos que nos falam mais de morte do que de vida.
Por quê? Talvez porque Deus queira a morte? Não, porque Deus, muito pelo contrário, ama a vida; mas é uma vida tão plena, tão fecunda que nós – apesar de toda a nossa tendência ao bem, ao positivo, à paz – nunca seríamos capazes de imaginar”1.
Daí a imagem do semeador que lança uma semente destinada a morrer – como que um sinal das nossas labutas e do nosso sofrimento –, e a imagem do ceifeiro que recolhe o fruto da espiga germinada a partir daquela morte: “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele fica só. Mas, se morre, produz muito fruto”2.
“Deus quer que, durante a vida, nós experimentemos uma certa morte – ou, às vezes, muitos tipos de morte – mas só (…) para produzir fruto, para realizar obras dignas dele e não de simples homens. Para ele, é este o sentido da nossa vida: uma vida rica, plena, superabundante, uma vida que seja reflexo da sua vida”3.

«Quem semeia entre lágrimas colherá com alegria»

Como podemos viver esta Palavra de Vida? Quem nos sugere a resposta é ainda Chiara, que nos orienta na atuação da Palavra de Deus: “É preciso valorizar a dor, pequena ou grande que seja, colocá-la em relevo (…). Dar valor especialmente ao esforço, ao sacrifício exigido pelo amor ao próximo: é o nosso típico dever”4. É uma dor que gera a vida!
E isso sem nos rendermos jamais, mesmo quando não vemos os resultados, bem sabendo que “um é o que semeia e outro é o que colhe”5. Qual será o futuro dos filhos, que procuramos educar da melhor forma possível? Quem verá os efeitos do meu empenho social e político? Jamais desanimemos da prática do bem6. Os frutos virão de uma forma ou de outra, quem sabe muito mais tarde, quem sabe em outro lugar, mas virão.

Uma esperança, uma certeza, uma meta segura se apresenta a nós no caminho da vida. As dificuldades, as provações, as contrariedades, pelas quais às vezes nos sentimos oprimidos, são uma passagem obrigatória que nos abre para a felicidade e a alegria.
“Portanto, avante! Olhemos para além de toda dor. Não nos limitemos a olhar somente aquela suspensão, aquela provação… Olhemos para a colheita que virá”7.

«Quem semeia entre lágrimas colherá com alegria»

Patrícia, de 22 anos, estudante paraguaia de direito, há certo tempo assumiu a função de assistente de um diretor de departamento. “Desde o início – confidencia –, eu me propus procurar sempre melhorar o trabalho e cultivar o relacionamento com os meus colegas, fazendo com que cada um se sinta valorizado”.
Mas isso significa muitas vezes ir contra a correnteza para defender os próprios princípios até às últimas conseqüências, como conta ela mesma:
“Uma pessoa importante no meu ambiente de trabalho, que gozava de certos privilégios, tinha um comportamento claramente desonesto. Eu tinha de falar com ela sobre isso!”
Mas, pelo fato de ter expressado as suas convicções, Patrícia perde o emprego. “Eu sofri terrivelmente, mas ao mesmo tempo estava tranqüila, porque sabia que tinha agido da maneira correta”. Ela não se desespera, porque nela é forte a consciência de ter um Pai para o qual tudo é possível e que ama desmedidamente. E, o que parece impossível na situação econômica e de desemprego em que vive o Paraguai, naquela mesma tarde ela recebe duas propostas de emprego. O novo trabalho é até melhor que o anterior e tem a ver mais diretamente com os seus estudos. 
       

Aos cuidados de Fabio Ciardi e Gabriella Fallacara

1) Cf. Buscar as coisas do alto, São Paulo: Cidade Nova, 1993, p.p. 84-85;
2) Jo 12,24;
3) Op. cit., p. 84;
4) Ibid., p. 102;
5) Jo 4, 37;
6) Cf. Gl 6,9;
7) Op. cit., p. 85.

Fevereiro de 2007

É o modo mais inteligente de viver: colocar a própria vida nas mãos Daquele que nos deu a vida. Aconteça o que acontecer, nele podemos confiar cegamente: Ele é Amor e quer o nosso bem.
O profeta Jeremias, proclamando esta “bênção”, recorda uma imagem amada pela tradição bíblica: a de uma árvore plantada às margens de um riacho de águas abundantes. Ela não teme a chegada do verão, pois suas raízes estão bem alimentadas e suas folhas, sempre verdes: ela é fecunda em frutos.
Ao contrário, quem não põe a própria esperança em Deus, mas no poder e na riqueza, ou nas amizades influentes, é comparado a um arbusto em um terreno árido, salobro, que custa a crescer e não dá fruto.

«Bendito aquele que confia no Senhor»

Geralmente nos dirigimos ao Senhor quando estamos em situações extremas, desesperadoras: uma doença incurável, uma dívida impagável, a iminência de um perigo de morte… São coisas inevitáveis. Sabemos que aquilo que é impossível aos homens, é possível a Deus. Mas se para Ele tudo é possível1, por que não recorrer a Ele em cada momento da vida?
A Palavra de Vida nos convida a uma comunhão constante com o Senhor, uma relação que vai bem mais além dos pedidos que de qualquer forma devemos fazer-lhe porque sempre necessitamos de sua ajuda. É “bendito”, ou seja, encontrou a alegria e a plenitude da vida, quem estabelece com Ele um relacionamento de confiança que nasce da fé no seu amor.
Ele, o Deus próximo, que conhece o nosso íntimo mais do que nós mesmos, caminha conosco e conhece cada palpitar do nosso coração. Com Ele, podemos partilhar alegrias, sofrimentos, preocupações, projetos… Não estamos sós, nem mesmo nos momentos mais escuros e difíceis. Nele podemos confiar plenamente. Ele jamais nos decepcionará.

«Bendito aquele que confia no Senhor»

Chiara Lubich diz que um modo particular de exprimir essa confiança pode ser o “trabalho a dois”.
Às vezes somos assaltados por pensamentos tão obsessivos devido a circunstâncias ou pessoas a quem não nos podemos dedicar diretamente, que se torna difícil cumprir bem o que a vontade de Deus nos pede no momento presente. Gostaríamos de estar perto daquele ente querido que sofre, que está sendo provado, que está doente. Gostaríamos de poder resolver essa situação intrincada, de oferecer ajuda às populações em guerra, aos refugiados, aos famintos… E nos sentimos incapazes…
É o momento de ter uma confiança em Deus que às vezes pode chegar ao heroísmo. Chiara cita alguns exemplos: “Não posso fazer nada para ajudar naquele caso (…) Pois bem, farei neste momento o que Tu queres de mim: estudar direito, varrer direito, rezar direito, cuidar direito dos meus filhos… E Deus se ocupará de desemaranhar aquela meada, de confortar quem sofre, de resolver aquele imprevisto”.
E Chiara conclui:
“É um trabalho feito a dois em perfeita comunhão, que exige de nós uma grande fé no amor de Deus por seus filhos e que, pelo nosso modo de agir, dá ao próprio Deus a possibilidade de confiar em nós.
Essa confiança mútua opera milagres.
A nossa constatação era esta: aonde nós não conseguimos chegar, Outro realmente conseguiu, e fez imensamente melhor do que nós. O ato de confiança heróico será premiado; nossa vida, limitada a um campo só, ganhará nova dimensão; e nos sentiremos em contato com o Infinito (…). Ficará mais evidente, mesmo porque a experimentamos, a realidade de que somos de fato filhos de um Deus Pai que tudo pode”2.

«Bendito aquele que confia no Senhor»

Rina, que devido à idade avançada estava constrangida a viver em casa, conta: “O telefone toca. Trata-se de uma senhora, idosa como eu, para quem desde algum tempo eu mando o folheto da Palavra de Vida. Seu irmão está muito doente e ela não sabe o que fazer. Estamos no período de férias. É difícil encontrar alguém que possa dar-lhe uma assistência, ainda mais porque, nos últimos anos, ele vivia como um mendigo. Sinto ‘meu’ o sofrimento da minha amiga e ao mesmo tempo, como ela, sinto-me impotente. Como ajudá-la, eu que moro longe e vivo imobilizada numa cadeira? Gostaria, ao menos, de dizer-lhe palavras de conforto, mas nem isso eu consigo, não sou capaz. Só me resta garantir que não vou esquecê-la e assegurar-lhe sobretudo minhas orações.
À noite, quando as minhas companheiras voltam do trabalho, unidas, confiamos a Deus esta situação e lançamos no seu coração os receios e as incertezas.
Durante a noite me acordo e me vem à mente aquele mendigo, sozinho, morrendo. Volto a dormir e outra vez acordo. E toda vez me dirijo ao Pai: ‘Ele é teu filho, não podes abandoná-lo. Cuida dele’.
Poucos dias depois, um telefonema da minha amiga: ela me diz que, depois de ter falado comigo naquele dia, sentiu uma grande paz. ‘Sabe que conseguimos levá-lo ao hospital? Lá cuidaram dele, aliviando-o das suas dores. Ele foi purificado pelo sofrimento e estava preparado. Tendo recebido a Eucaristia, partiu serenamente.’
E ficou no meu coração um sentimento de gratidão e de maior confiança no Senhor”.

Aos cuidados de Pe. Fabio Ciardi e Gabriella Fallacara

1) Cf. Mt 19,26;
2) Cf. Lubich, Chiara. Sim, sim. Não, não! Editora Cidade Nova, São Paulo 2005, p. 123-124.