Movimento dos Focolares

Tema da Semana de oraçoes para a unidade dos cristaos– Janeiro de 2007

Umlazi é um dos tantos subúrbios das grandes cidades da África do Sul, criados nos anos 50 para a população negra. Ali moram cerca de 750.000 pessoas. Faltam escolas, hospitais, residências dignas. Não existe sequer um campo de futebol. A taxa de desemprego ultrapassa os 40%. A pobreza gera violência e abusos; é elevadíssima a incidência de Aids. Muitos se sentem isolados, têm medo de falar dos próprios sofrimentos, dos seus inúmeros problemas.
“O que fazer?”, perguntavam-se os dirigentes das diversas comunidades cristãs de Umlazi. É preciso “quebrar o silêncio” – concluíram – e abrir um diálogo com todos, um por um, numa atitude de escuta e comunhão de vida, para carregar junto com eles as dificuldades. Começaram com os jovens, abrindo um diálogo construtivo e estabelecendo relacionamentos cada vez mais profundos.
Animados por essa experiência, os cristãos de Umlazi propuseram o trecho do Evangelho de Marcos de onde foi tirada esta Palavra de Vida como tema para a “Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos” de 2007, que se realiza neste mês em muitos países (1).
Entre os assuntos da “Semana”, de acordo com o texto-base, encontra-se a busca da unidade entre os cristãos, bem como a resposta cristã para o sofrimento humano.
Enquanto Jesus caminhava, trouxeram-lhe um surdo-mudo e Ele o curou, pronunciando a palavra “Efatá”, que quer dizer “Abre-te”. O povo, ao ver isso, expressando admiração e alegria, exclamou:

«Tudo Ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem!»

Os milagres de Jesus são a expressão do seu amor por todos os que Ele encontra no próprio caminho. São também “sinais” do mundo novo que Ele veio instaurar. A cura do surdo-mudo é o sinal de que Jesus veio para nos doar uma nova capacidade de entender e de falar.
“Efatá” foi também a palavra pronunciada para nós no momento do nosso batismo.
“Efatá”: e Jesus nos abre os ouvidos à Palavra de Deus, a fim de que a deixemos penetrar em nós.
“Efatá” é o seu convite para abrirmos nossos ouvidos a cada um daqueles com os quais Ele se identificou – cada pessoa, sobretudo os menores, os pobres, os necessitados – e estabelecermos com todos um diálogo de amor que seja capaz de partilhar a própria experiência de vida segundo o Evangelho.
Em sinal de reconhecimento a Jesus por tudo o que Ele faz continuamente em nós, vamos proclamar, como fez a multidão, tempos atrás:

«Tudo Ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem!»

Como podemos viver esta Palavra de Vida?
Rompendo a nossa “surdez” e fazendo calar, dentro de nós e ao nosso redor, os rumores que nos impedem de escutar a voz de Deus, da nossa consciência, dos nossos irmãos e irmãs.
De muitos lados chega, em geral silenciosamente, um pedido de ajuda: uma criança que pede atenção, um casal em dificuldades, um doente, uma pessoa idosa, um presidiário com necessidade de assistência. Atinge-nos o grito de cidadãos que anseiam por uma cidade com mais qualidade de vida, de trabalhadores que reclamam por mais justiça, de povos inteiros aos quais é negada a existência… Distraídos por uma infinidade de interesses e atrações, é muito freqüente que não estejamos de coração aberto àqueles que estão ao nosso redor. Ou então, concentrados nas nossas necessidades, fazemos de conta que não os ouvimos.
A Palavra de Vida nos pede a capacidade de “escutar”, para carregarmos junto com os outros as preocupações e as dificuldades, bem como para partilharmos as alegrias e esperanças, numa renovada solidariedade. Ela nos convida a não ficarmos “mudos”, mas a encontrarmos a coragem de falar, para comunicar as experiências e as convicções mais profundas; para intervir e defender aqueles que não têm voz; para realizar obras de reconciliação; para propor idéias, soluções, novas estratégias…
E quando a impressão de não estarmos à altura das situações fizer com que nos sintamos embaraçados, seremos sustentados pela certeza de que Jesus nos abriu os ouvidos e a boca:

«Tudo Ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem!»

É a experiência de Lucy Shara, da África do Sul, que, tendo-se mudado com a família para Durban, teve que enfrentar a vida de uma grande cidade, começando ali um novo trabalho, de muita responsabilidade. Naqueles anos do apartheid não era comum uma mulher africana ser admitida para um cargo de chefia.
Um dia ela percebe que entre os operários está se espalhando uma forma aguda de asma, por causa das péssimas condições de vida no trabalho. Muitos deles desapareciam de repente ou se ausentavam da fábrica por longos meses. Ela procura o vice-diretor e propõe como solução instalar um equipamento eficiente para filtrar o ar do ambiente. Mas o custo é muito alto e a empresa rejeita a proposta.
Lucy, que há tempo já procura viver a Palavra de Vida, encontra nela a sua força e a sua luz. Percebe dentro de si como que um fogo que lhe dá coragem, que a faz manter-se calma em todas as negociações, que a coloca numa atitude de sincera escuta das opiniões expressas pela direção. Ela conta: “A um certo ponto me vieram à boca as palavras justas para defender aqueles que não tinham voz. Consegui fazer os diretores entenderem que o alto custo inicial seria compensado pelas melhores condições de saúde dos operários, que não seriam mais obrigados a faltar ao trabalho.
Suas palavras são convincentes. O filtro é instalado. A incidência de asma diminui de 12% para 2% e as faltas por doença caem na mesma proporção. A diretoria lhe agradece, lhe dá até mesmo uma gratificação especial, além do salário. Entre os operários se espalha a alegria e na fábrica se respira uma nova “atmosfera”, em todos os sentidos!

Chiara Lubich

(1) No Hemisfério Norte, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos é celebrada de 18 a 25 de janeiro. No Brasil é celebrada entre a Ascensão e Pentecostes (neste ano será de 20 a 27 de maio).

 

Palavra de Vida – Dezembro de 2006

O poeta que compôs o canto de onde foi tirada a Palavra de Vida tinha ido, em peregrinação, ao templo de Jerusalém. Desejaria ter lá ficado, como as andorinhas que ali fizeram o ninho, mas teve que voltar para a sua terra. Lembrou com saudade as “amáveis moradas” do Senhor, onde experimentou a presença de Deus. Dicidiu então voltar e pôs-se a caminho para subir até Jerusalém. Seria uma “santa viagem”, que o levaria novamente “diante de Deus”. Como em muitas culturas e religiões, a viagem representa a parábola da vida.
A “santa viagem” é o símbolo do nosso itinerário para Deus. Estamos realmente orientados para uma meta, a que não deveríamos chamar “morte”, mas “encontro”, porque é o início de uma nova Vida, o encontro com Deus. Todos estamos destinados a este encontro, somos chamados por Ele.
Porquê não organizar então a nossa existência em função da meta que nos espera? Porquê não fazer da única vida que temos uma viagem, uma viagem santa, porque é Santo Aquele que nos espera? Sim, todos somos chamados a tornarmo-nos santos, segundo o coração de Deus (1). Aquele Deus que nos ama, a cada um, com um amor imenso, e que sonhou e delineou para nós um percurso a seguir e uma meta específica para alcançar.

«Felizes os que em Ti encontram a sua força, os que trazem no coração os caminhos da santa viagem»

É verdade que somos filhos do nosso tempo, que aprecia o activismo – por vezes, frenético – e a eficiência. Que valoriza algumas profissões e menospreza outras; que, por medo, encobre com o silêncio certos momentos da vida, na ilusão de os fazer desaparecer… Talvez possa suceder também connosco que, influenciados ou deslumbrados por essas tendências, desperdicemos inutilmente as nossas energias. E pode acontecer que nos pareçam inúteis os dias de repouso, supérfluos os momentos de oração, ou consideremos as doenças e as várias dificuldades – que Deus permite com um objectivo de amor – como obstáculos à nossa vida.
Como nos podemos encaminhar ou reencaminhar seriamente na santa viagem? Não é difícil de descobrir: trata-se de fazer, não a nossa vontade, mas a vontade de Deus. Segui-la no momento presente da vida, conscientes de que – e isto é uma grande graça – cada acção, que fizermos desta maneira, tem uma graça especial que a acompanha, a “graça actual”, que ilumina a nossa inteligência e orienta para o bem a nossa sensibilidade e a nossa vontade. Mesmo quem não tenha um credo religioso definido pode fazer da sua vida uma obra-prima, empreendendo com rectidão um caminho de sincero compromisso moral.

«Felizes os que em Ti encontram a sua força, os que trazem no coração os caminhos da santa viagem»

Se a vida é uma “santa viagem” ao longo do trajecto da vontade de Deus, o nosso caminho exige um progresso contínuo em cada dia. O amor que nos impulsiona convida-nos a crescer, a melhorar. Não nos podemos contentar com o modo como vivemos ontem. «Hoje, melhor do que ontem», podemos repetir, para nós, de vez em quando…
E quando paramos? Quando retrocedemos e voltamos a cair nos erros de antes, ou até só na preguiça? Devemos abandonar o nosso objectivo, desencorajar-nos devido às nossas falhas? Não, nesses momentos, a palavra de ordem é “recomeçar”. Recomeçar, pondo na misericórdia de Deus todo o nosso passado com os seus erros, os seus pecados. Recomeçar, tendo mais confiança na graça de Deus do que nas nossas capacidades. Não diz a Palavra de Vida que encontramos n’Ele a nossa força? Comecemos em cada dia como se fosse a primeira vez. E, sobretudo, caminhemos juntos, unidos no amor, ajudando-nos uns aos outros. O Santo estará no meio de nós e Ele tornar-se-á o nosso “Caminho”. Ele há-de fazer-nos compreender mais claramente a vontade de Deus e há-de dar-nos o desejo e a capacidade de a cumprir. Unidos, tudo será mais fácil e alcançaremos a felicidade, prometida àqueles que empreendem a “santa viagem”.

«Felizes os que em Ti encontram a sua força, os que trazem no coração os caminhos da santa viagem»

Lembro-me do que se passou com uma pessoa amiga.
Enzo Fondi tinha 22 anos quando, em Roma, em 1951, decidiu dedicar-se inteiramente a Deus, no nascente Movimento dos Focolares. Depois da licenciatura em Medicina e Cirurgia, encontramo-lo a trabalhar como médico num hospital de Leipzig, e a testemunhar, até do outro lado da “cortina de ferro”, o amor evangélico. Foi ordenado sacerdote. Depois foi para os Estados Unidos para levar essa mesma mensagem.
Nos últimos anos, o trabalho no diálogo inter-religioso, que o Movimento realiza, levou-o a desempenhar vários cargos e a viajar muito, mas tinha sempre um único projecto: seguir Deus, na Sua vontade. Completou a “santa viagem” na véspera do fim do ano de 2001, à noite. Foi encontrado à frente do computador, a trabalhar, com a cabeça apoiada na mesa, de rosto sereno, sem sinais de sofrimento. Não parecia ter morrido, mas só ter passado docemente de uma “sala” para outra. Quinze dias antes de morrer tinha escrito: «As últimas vontades, o testamento. Para  mim, é a última vontade de Deus, aquela que Ele quer de mim agora. Não existe nenhuma outra. Deixar feita, com perfeição, a última vontade de Deus, seja ela qual for, essa é a minha última vontade. Realmente não sei qual será a última vontade de Deus que farei na vida. Mas uma coisa sei: que, tal como para a vontade de Deus deste momento, hei-de ter a graça actual que me vai ajudar a fazê-la, na medida em que me tiver exercitado a aproveitar esta graça, vivendo bem o presente».

Chiara Lubich

1) Cf. 1 Ts 4, 3

Novembro de 2006

Na linguagem comum, a palavra “justiça” refere-se ao respeito pelos direitos humanos, à exigência de igualdade, à equidade na distribuição dos recursos humanos, aos órgãos encarregados de fazer respeitar as leis.
Mas, será que Jesus se refere a esse tipo de justiça no Sermão da Montanha, o sermão onde se encontra essa bem-aventurança? Certamente também, mas como conseqüência de uma justiça mais ampla, que implica a harmonia dos relacionamentos, a concórdia, a paz.
A fome e a sede significam as necessidades elementares de cada indivíduo: são o símbolo de um anseio profundo do coração humano, jamais completamente satisfeito. Segundo o Evangelho de Lucas, Jesus teria dito simplesmente: “Felizes vós, que agora passais fome”1. Já Mateus explica que a fome do homem é fome de Deus, o único que pode saciá-lo plenamente, como tão bem entendeu santo Agostinho que, no início das Confissões, escreveu a famosa frase: “Tu nos criaste para ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti”2.
O próprio Jesus disse: “Se alguém tem sede, venha a mim, e beba”3. Ele, por sua vez, alimentou-se da vontade de Deus4.
Justiça, no sentido bíblico, significa portanto viver em conformidade com o plano de Deus para a humanidade: ele a projetou e quis que fosse como uma família unida no amor.

«Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados»

O desejo e a busca da justiça estão desde sempre inscritos na consciência do homem, foram colocados por Deus mesmo no seu coração.  Mas, apesar das conquistas e dos progressos realizados ao longo da história, como ainda está longe a plena realização do projeto de Deus! As guerras que também hoje se combatem, assim como o terrorismo e os conflitos étnicos, são o sinal das desigualdades sociais e econômicas, das injustiças, dos ódios.
Os obstáculos para a harmonia da convivência humana não são apenas de ordem jurídica, ou seja, devidos à falta de leis que regulem esse convívio; dependem de atitudes mais profundas, morais, espirituais, do valor que damos à pessoa humana, de como consideramos o outro.
O mesmo acontece na área econômica: o crescente subdesenvolvimento e a distância cada vez maior entre ricos e pobres, com a iníqua distribuição dos bens, não são fruto apenas de certos sistemas produtivos, mas também e sobretudo de opções culturais e políticas: são um fato humano, são decisões conscientes.
Quando Jesus convida a dar também o manto a quem pede a túnica, ou a caminhar dois quilômetros com aquele que quer ser acompanhado por um5, ele está indicando um “algo a mais”, uma “justiça maior”, que supera aquela da prática legal, uma justiça que é expressão do amor.
Sem amor, sem respeito pela pessoa, sem atenção às suas exigências, os relacionamentos pessoais podem até ser corretos, mas podem também tornar-se burocráticos, incapazes de dar soluções satisfatórias às exigências humanas. Sem o amor jamais existirá justiça verdadeira, partilha de bens entre ricos e pobres, atenção à situação particular de cada homem e de cada mulher e à situação concreta na qual se encontram. Os bens não caminham por si sós; são os corações que devem movimentar-se e fazer movimentar os bens.

«Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados»

Como podemos viver esta Palavra de Vida?
Considerando o próximo por aquilo que ele realmente é: não só um ser humano com os seus direitos e a sua fundamental igualdade diante de todos, mas como imagem viva de Jesus.
Amá-lo, ainda que seja um inimigo, com o mesmo amor com o qual o Pai o ama, e por ele estar disposto ao sacrifício, até mesmo supremo: “Dar a vida pelos próprios irmãos”6.
Vivendo com ele na reciprocidade da doação, partilhando os bens espirituais e materiais, até que todos se tornem uma única família.
Então, o nosso sonho por um mundo fraterno e justo, tal como Deus o imaginou, se tornará realidade. O próprio Jesus virá para viver em nosso meio, e nos saciará com a sua presença.

«Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados»

Vejamos como um trabalhador descreveu o seu pedido de demissão: “A firma em que trabalho se associou com outra do mesmo setor. Depois dessa fusão, fui solicitado a rever a lista dos empregados, porque na nova organização do trabalho, três deles deveriam ser demitidos.
No entanto, essa decisão não me parecia fundamentada. Pelo contrário, parecia-me muito precipitada, irrefletida, tomada sem nenhuma consideração pelas conseqüências de caráter humanitário que ela traria aos envolvidos e às suas famílias. O que fazer? Lembrei-me da Palavra de vida. A única saída era fazer como Jesus: ser o primeiro a amar. Comuniquei que não assinaria aquelas três demissões, a custo de ser eu mesmo demitido.
Não só não quiseram me demitir, como pediram o meu parecer sobre como remanejar os funcionários na nova organização. Eu já havia preparado o novo plano de pessoal, que agilizava e tornava muito útil a atuação de todos nos diversos setores. O plano foi aprovado e ninguém perdeu o trabalho.”

Chiara Lubich

1) Cf. Lc 6,21;
2) Livro I, 1,1;
3) Jo 7,37;
4) Cf. Jo 4,34;
5) Cf. Mt 5,40-41;
6) Cf. João Paulo II, Sollecitudo rei socialis, n. 40.

 

outubro 2006

Percorrendo o Evangelho vemos que Jesus sempre convida a dar: dar aos pobres, a quem pede, a quem deseja um empréstimo. Dar de comer a quem tem fome. Dar o manto a quem pede a túnica. Dar gratuitamente…
Ele mesmo foi o primeiro que agiu assim: deu a saúde aos doentes, o perdão aos pecadores, a vida a todos nós.
Ao instinto egoísta de acumular Ele opõe a generosidade; ao invés da preocupação com as próprias necessidades, propõe a atenção ao outro; em lugar da cultura do ter, a cultura da partilha.
Não importa se podemos dar muito ou pouco. O importante é “como” doamos, quanto amor colocamos até mesmo num pequeno gesto de atenção para com o outro. Às vezes basta oferecer-lhe um copo d’água, um copo de água fresca, como detalha o Evangelho de Mateus, que é uma oferta muito bem aceita e até necessária num país quente e árido como a Palestina.

«Quem vos der um copo de água para beber porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa»

Exatamente isso: dar um copo d’água. Um gesto simples, porém grande aos olhos de Deus, quando feito em seu nome, ou seja, por amor.
E o amor tem todos os matizes e sabe encontrar os modos mais adequados para exprimir-se.
O amor está atento, porque não pensa em si.
O amor é solícito porque, percebendo uma necessidade do outro, inventa de tudo para atendê-lo.
O amor é essencial, porque sabe relacionar-se com o próximo, mesmo que a atitude seja simplesmente de escuta, de serviço, de disponibilidade.
Quantas vezes, estando ao lado de alguém, sobretudo de quem sofre, imaginamos prestar-lhe um ótimo serviço, talvez com os nossos conselhos nem sempre oportunos, ou com um palavreado excessivo…, que podem deixá-lo aborrecido e cansado.
Por outro lado, como é importante procurar “ser” o amor junto a cada próximo! É a atitude que nos mostrará o caminho certo para entrar no seu coração e aliviá-lo.

«Quem vos der um copo de água para beber porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa»

A Palavra de Vida deste mês poderá ajudar-nos a redescobrir o valor de cada ação nossa: desde as tarefas de casa, da roça, da oficina, até à execução das atividades burocráticas, das tarefas escolares, bem como as responsabilidades no campo civil, político e religioso. Tudo pode transformar-se em serviço atento e solícito.
O amor nos dará uma visão nova das coisas, capaz de intuir aquilo que os outros precisam, para ajudá-los com criatividade e generosidade.
O resultado disso? Os bens circularão: o amor chama amor. A alegria se multiplicará: “Há mais felicidade em dar do que em receber”.

«Quem vos der um copo de água para beber porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa»

Lembro-me que, durante a Segunda Guerra Mundial, em algumas áreas da nossa cidade de Trento (Itália), viviam famílias muito pobres. Nós íamos procurá-las para partilhar com elas aquilo que possuíamos; queríamos elevar o seu nível de vida de modo tal que todos chegássemos a uma certa igualdade.
Era um raciocínio simples, mas que produziu frutos inimagináveis: mantimentos, roupas, medicamentos começaram a circular com extraordinária abundância… Firmou-se em nós a convicção de que o Evangelho vivido dá a resposta para todos os problemas individuais ou sociais.
Não era uma utopia. Hoje, centenas de empresas estão envolvidas no projeto da Economia de Comunhão, baseando toda a vida empresarial na cultura da partilha, e colocando em comum os lucros para finalidades sociais; entre estas, socorrer as pessoas que se encontram em dificuldades, gerando novos empregos e acudindo-as nas necessidades mais urgentes.
Mas as pessoas em dificuldade são muitas e os lucros dessas empresas não são suficientes para atender a todas as necessidades. Por isso muitos de nós, desde 1994, separamos mês por mês uma pequena quantia para os pobres.

Atualmente essa ajuda chega a 7.000 pessoas em 55 países.
São inúmeros os testemunhos dos “copos de água” recebidos e doados, numa competição de generosidade. Um exemplo entre muitos, das Filipinas: “O nosso pequeno açougue faliu por causa de uma epidemia entre os animais. Ficamos endividados e não sabíamos mais como continuar… Com o auxílio regular de vocês conseguimos, cada dia, ter o que comer. Logo entendi que também eu deveria ajudar a quem era mais necessitado do que eu. Uma vizinha nossa estava doente, sofria muito e precisava de ajuda inclusive material. Fiquei dando-lhe assistência, até que ela partiu para o céu. Depois “adotei” economicamente o seu quinto filho, já que o pai não conseguia mantê-lo sozinho, por ser muito mais pobre do que nós”.

Chiara Lubich

Setembro 2006

A Palavra do Evangelho: uma Palavra que gera a vida e, ao mesmo tempo, uma Palavra que reclama ser vivida.
Se um Deus nos fala, como podemos deixar de acolher a sua Palavra? A Bíblia repete nada menos que 1.153 vezes o convite a escutá-lo. O mesmo convite, “Escutai-o”1, foi dirigido pelo Pai aos discípulos quando a Palavra – seu Filho – veio viver entre nós.
Mas a escuta mencionada na Bíblia se atua mais no coração do que nos ouvidos. Significa aderir totalmente, obedecer, adequar-se àquilo que Deus fala, com a confiança de uma criança que se abandona nos braços da mãe e se deixa carregar por ela.
É isso que o apóstolo Tiago lembra na sua carta:

«Sede praticantes da Palavra, e não meros ouvintes»

Percebe-se que nessa frase ressoa o ensinamento de Jesus. Ele declara feliz aquele que, tendo escutado a Palavra de Deus, a observa2. E reconhece como sua mãe e seus irmãos os que a escutam e a põem em prática3.
Retomando uma imagem apresentada por Jesus, Tiago compara a Palavra a uma semente depositada no nosso coração, que deve ser acolhida “com docilidade”. Mas não é suficiente acolher, escutar. Assim como a semente está destinada a produzir frutos, da mesma forma a Palavra de Deus deve traduzir-se em vida.
Foi o que Jesus explicou na parábola dos dois filhos. “Sim”, respondeu um dos filhos ao pai, quando este lhe pediu que fosse trabalhar na vinha; mas ele não foi. Já o outro respondeu: “Não quero”, e no entanto acabou obedecendo ao pai, demonstrando com os fatos o que significa escutar realmente a Palavra4.
Jesus afirma ainda, no final do “sermão da montanha”, que o bom ouvinte da Palavra é aquele que a põe em prática, dando solidez à sua vida como a uma casa construída sobre a rocha5.

«Sede praticantes da Palavra, e não meros ouvintes»

Em cada uma de suas Palavras Jesus exprime todo o seu amor por nós. Vamos concretizá-la, assumi-la como coisa nossa. Experimentemos quanta potência de vida ela irradia em nós e ao nosso redor quando a vivemos. Deixemo-nos enamorar pelo Evangelho até o ponto de deixar-nos transformar por ele e de transbordá-lo sobre os outros. Esse é o modo de retribuirmos com o nosso amor o amor de Jesus.
Não seremos mais nós a viver: Cristo se formará em nós.
Sentiremos na própria pele a libertação de nós mesmos, dos nossos limites, das nossas escravidões. E não é só: já que demos a Jesus a liberdade de viver em nós, veremos explodir a revolução de amor que ele provocará no ambiente social que nos envolve.

«Sede praticantes da Palavra, e não meros ouvintes»

É essa a nossa experiência desde o início do Movimento em Trento, durante a Segunda Guerra Mundial, quando, devido aos freqüentes bombardeios, corríamos para os abrigos antiaéreos levando conosco apenas o pequeno livro do Evangelho.
Nós o abríamos e líamos. E, penso, devido a uma graça especial de Deus, aquelas Palavras, já tão conhecidas, se iluminavam com uma luz novíssima. Eram Palavras de vida, que podiam ser traduzidas em vida. “Amarás teu próximo como a ti mesmo”6… embora na tristeza e na tragédia da guerra, as pessoas amadas desse modo reencontravam a alegria, a serenidade, o sentido da vida. “Dai e vos será dado”7… e, apesar da carestia, quilos e mais quilos de mantimentos quase que nos submergiam, depois de algum gesto nosso de generosidade, até mesmo pequeno; e nós distribuíamos largamente esses bens aos mais necessitados da cidade.
Assim, vimos nascer ao nosso redor uma comunidade viva que, depois de apenas poucos meses, já contava 500 pessoas.
Tudo era fruto da comunhão com a Palavra: ela era constante, era uma dinâmica realizada minuto por minuto. Vivíamos inebriados pela Palavra. Podemos dizer que era a Palavra que vivia em nós. Para aumentar em nós a aceleração em vivê-la, bastava dizer um ao outro: “Você vive a Palavra?”, “Você é a Palavra viva?”
Devemos voltar àqueles tempos. O Evangelho é sempre atual. Cabe a nós acreditar nele e comprová-lo.

 

Chiara Lubich

1) Mt 17,5;
2) Cf. Lc 11,28;
3) Cf. Lc 8,20-21;
4) Cf. Mt 21,28-30;
5) Mt 7,24;
6) Mt 22,39;
7) Lc 6,38.

(mais…)

Agosto 2006

É um programa de vida concreto e essencial. Só ele já bastaria para criar uma sociedade diferente, mais fraterna, mais solidária. Ele faz parte de um amplo projeto que o Apóstolo propõe aos cristãos da Ásia Menor.
Naquela comunidade foi alcançada a paz entre judeus e gentios, os dois povos até então divididos que representavam a humanidade.
A unidade, doada por Cristo, deve ser sempre reavivada e traduzida em comportamentos sociais concretos, inteiramente inspirados pelo amor mútuo. Daí a razão por que Paulo dá estas orientações sobre como devemos nos relacionar:

«Sede bondosos e compassivos, uns para com os outros, perdoando-vos mutuamente, como Deus vos perdoou em Cristo»

“Sede bondosos…”: ser bom, querer o bem do outro. É “fazer-nos um” com ele, aproximar-nos dele estando completamente vazios de nós mesmos, dos nossos interesses, das nossas idéias, dos muitos preconceitos que ofuscam o nosso olhar, para tomar sobre nós os seus pesos, suas necessidades, seus sofrimentos, para compartilhar as suas alegrias.
É entrar no coração daqueles que encontramos para entender a sua mentalidade, sua cultura, suas tradições e, de certo modo, fazê-las nossas; para entender realmente aquilo de que estão precisando e saber colher os valores que Deus derramou no coração de cada pessoa. Numa palavra: viver por quem está ao nosso lado.

“Sede compassivos…”: a compaixão. Acolher o outro tal como ele é; não como gostaríamos que fosse: com um caráter diferente, com as mesmas idéias políticas nossas, com as nossas convicções religiosas e sem os tais defeitos ou modos de fazer que tanto nos incomodam. Não. É preciso dilatar o coração e torná-lo capaz de acolher a todos na sua diversidade, com os seus limites e misérias.

“… perdoando-vos mutuamente”: o perdão. Ver o outro sempre novo. Mesmo nas convivências mais agradáveis e serenas, na família, na escola, no trabalho, nunca faltam os momentos de atrito, as divergências, os desencontros. Às vezes se chega a não falar mais um com o outro, ou a evitar-se, isso quando não se estabelece no coração um verdadeiro ódio contra os que têm um ponto de vista diferente. A conquista mais forte e exigente é procurar ver cada dia o irmão e a irmã como se fossem novos, novíssimos, esquecendo-se completamente das ofensas recebidas e cobrindo tudo com o amor, com uma anistia total do nosso coração, imitando desta forma Deus, que perdoa e esquece.
E enfim, alcançamos a paz verdadeira e a unidade quando vivemos a bondade, a compaixão e o perdão não apenas como pessoas isoladamente, mas em conjunto, na reciprocidade.
E assim como acontece numa fogueira, onde as brasas são sufocadas pela cinza se não forem remexidas, da mesma forma as relações com os outros podem ser sufocadas pela cinza da indiferença, da apatia, do egoísmo, se não reavivarmos de tempo em tempo os propósitos de amor mútuo, os relacionamentos com todos.

«Sede bondosos e compassivos, uns para com os outros, perdoando-vos mutuamente, como Deus vos perdoou em Cristo»

Essas atitudes precisam ser traduzidas em fatos, em ações concretas.
O próprio Jesus demonstrou o que é o amor quando curou os doentes, quando saciou a fome das multidões, quando ressuscitou os mortos, quando lavou os pés dos discípulos. Fatos, fatos: isso é amar.
Lembro de uma mãe de família africana: viu a própria filha Rosângela perder um dos olhos, vítima da agressividade de um garoto que a feriu com um pedaço de pau e ainda continuava caçoando dela. Nem o pai nem a mãe do menino tinham pedido desculpas pelo acontecido. O silêncio, a falta de relacionamento com essa família a deixavam angustiada. “Fique tranqüila – dizia Rosângela, que já tinha perdoado –, ainda tive sorte: pelo menos posso ver com o outro olho!”

“Um dia, de manhã – conta a mãe de Rosângela –, a mãe daquele garoto mandou me chamar porque estava passando mal. A minha primeira reação foi: ‘Essa não! Ela tem tantos outros vizinhos, e agora vem pedir ajuda logo a mim, depois de tudo o que seu filho fez conosco!’
Mas na hora me lembrei de que o amor não tem barreiras. Corri até a sua casa. Ela abriu a porta e desmaiou nos meus braços. Levei-a para o hospital e lá fiquei até que os médicos a atendessem. Depois de uma semana, quando ela teve alta, veio até em casa para me agradecer. Procurei acolhê-la de todo o coração. Consegui perdoá-la. Agora o relacionamento se recompôs. Ou melhor, começou totalmente novo”.
Podemos preencher também o nosso dia com serviços concretos, humildes e inteligentes, expressões do nosso amor. Veremos crescer ao nosso redor a fraternidade e a paz.

Chiara Lubich