Movimento dos Focolares

Julho 2006

O abraço de Deus é universal. Envolve o universo e está atento à menor das suas criaturas. O poema (o Salmo) de onde foi tirada esta Palavra de Vida é todo um hino a ele, “grande no amor”, que se inclina para cada ser vivente, atraído por suas necessidades.
Toda criatura se apresenta em atitude de invocação: precisa do alimento e, com ele, do necessário para a sua subsistência, e Deus abre a sua mão com generosidade. Ele cuida de cada um, protege quem é fraco e está em perigo1, reconduz ao caminho seguro quem perdeu o rumo.

«O Senhor está perto de todos os que o invocam, dos que o invocam de coração sincero»

Ele não é um Deus ausente, distante, indiferente aos destinos da humanidade, ao destino de cada um de nós. Muitas vezes já tivemos ocasião de constatá-lo. Mas também é verdade que, em outros momentos, temos a impressão de que ele está imensamente distante de nós e nos sentimos desamparados, inseguros, perdidos diante de situações que nos parecem estar acima de nossas forças.
E então, muitas vezes vêm à tona a rebelião ou sentimentos de antipatia – quando não de ódio – para com algum dos nossos irmãos ou irmãs. E começam a nos pesar na alma certas situações que há anos se arrastam na família ou na comunidade de trabalho: pequenas ou grandes desconfianças, ciúmes, invejas, atitudes autoritárias. Ou então, sentimo-nos sufocados por um mundo que nos pode parecer repleto de velhas paixões e carreirismos, empobrecido de ideais, de justiça e de esperança.
E o nosso coração parece gritar: “Senhor, onde estás?” “Tu me amas de verdade? Tu nos amas de verdade? Mas então, por que tudo isso?”
É quando a Palavra de Vida reaviva uma certeza: nunca estamos sozinhos na nossa aventura humana.

«O Senhor está perto de todos os que o invocam, dos que o invocam de coração sincero»

É um convite a reavivar a fé: Deus existe e me ama. Isso eu posso e devo reafirmar em cada ação, diante de cada acontecimento: Deus me ama. Encontro uma pessoa? Devo acreditar que, através dela, Ele tem algo a me dizer. Estou me dedicando a um trabalho? Naquele momento continuo a crer no Seu amor. Aparece um sofrimento? Continuo a ter fé que Deus me ama. Aparece uma alegria? Deus me ama.
Ele está comigo aqui, está sempre comigo, sabe tudo sobre mim e partilha cada pensamento meu, cada alegria, cada desejo; divide comigo toda preocupação, toda provação da minha vida.

«O Senhor está perto de todos os que o invocam, dos que o invocam de coração sincero»

Como podemos reavivar esta certeza? Eis algumas sugestões.
Ele mesmo diz: invocando-o! Jesus estava na barca de Pedro quando desabou a tempestade; apesar disso os discípulos se sentiram sós e indefesos, porque ele dormia. Eles o acordaram: “Senhor, salva-nos, estamos perecendo”2 e ele acalmou o vento e as águas.
O próprio Jesus, na cruz, não sentiu mais a proximidade do Pai. Ele o invocou com a oração mais angustiada: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?3 Mas ele acreditou no Seu amor, abandonando-se novamente ao Pai, que o ressuscitou da morte.

De que outro modo podemos reavivar a fé na sua presença?
Procurando-o entre nós. Jesus prometeu estar lá onde dois ou mais estiverem unidos em seu nome4. Então, na atitude de amor mútuo que o Evangelho ensina, encontremo-nos com aqueles que vivem a Palavra de Vida, partilhemos as experiências e perceberemos os frutos desta sua presença: alegria, paz, luz, coragem.
Ele permanecerá junto a cada um de nós e o sentiremos continuamente perto e atuante na nossa vida de cada dia.

Chiara Lubich

 

 

Junho 2006

“Fostes chamados para a liberdade”. É o anúncio que Paulo de Tarso dirige aos cristãos das várias comunidades da Galácia. Um anúncio que faz ecoar as palavras de Jesus quando disse que nos tornaria “verdadeiramente livres”.
Livres do quê? Os cristãos da Galácia tinham ficado livres das prescrições legais da lei de Moisés. Essa libertação se estendeu depois a todos os cristãos. Mais ainda, nós ficamos livres do pecado e das suas conseqüências: os nossos medos, a busca desenfreada dos nossos interesses, os condicionamentos culturais, as convenções sociais… É por isso que somos livres quando observamos as normas de conduta social e religiosa do cristianismo; para nós, não são obrigações vindas de fora.
Temos uma lei nova: “a lei de Cristo”, como a define Paulo. Ela está inscrita em nosso coração, nasce no interior da pessoa renovada pelo amor de Cristo: uma “Lei de liberdade”. Uma lei que, no seu conjunto, doa a força para ser atuada.
Somos livres porque guiados pelo Espírito de Jesus que vive em nós. Daí o convite:

«Deixai-vos sempre guiar pelo Espírito (…).Se, porém, sois conduzidos pelo Espírito, então não estais sob o jugo da Lei»

Neste período de Pentecostes nós revivemos o evento da descida do Espírito sobre Maria e os discípulos reunidos no Cenáculo. Em forma de línguas de fogo, Ele derrama nos corações o amor de Deus. É esta a “nova lei”: o amor.
O Espírito Santo é o Amor de Deus que, penetrando em nós, transforma o nosso coração, nele infunde o seu mesmo amor e ensina a agir no amor e por amor.
É o amor que nos move, que nos sugere como responder às situações e às escolhas que somos chamados a fazer. É o amor que nos ensina a discernir: isso é bom, eu faço; não é bom, não faço. É o amor que nos impulsiona a agir procurando o bem do outro.
Não somos guiados por algo externo, mas pelo princípio de vida nova que o Espírito colocou dentro de nós. Forças, coração, mente, todas as nossas capacidades podem “deixar-se sempre guiar pelo Espírito”, quando unificados pelo amor e postos à completa disposição do projeto de Deus sobre nós e sobre a sociedade.
Somos livres para amar.

«Deixai-vos sempre guiar pelo Espírito (…).Se, porém, sois conduzidos pelo Espírito, então não estais sob o jugo da Lei»

“Se, porém, sois conduzidos …”. Existe sempre um perigo de que alguma coisa impeça o Espírito de conduzir plenamente o nosso coração, a nossa mente. Podemos resistir à sua voz e aos seus apelos a ponto de “entristecê-lo”, chegando até mesmo a “apagar” a sua presença em nós. Muitas vezes preferimos seguir os nossos desejos aos dele, a nossa vontade à dele.
Como, então, nos deixar conduzir por essa voz que fala no nosso íntimo? Aonde ela nos leva? O próprio Paulo nos lembra, em alguns versículos anteriores, que toda a nova lei de liberdade se resume neste único preceito: o amor ao próximo. Em outras palavras, como Paulo sugere, ser livre significa fazer-se escravo dos outros, colocar-se a serviço uns dos outros. A voz interior (= o amor) nos impulsiona a nos interessar por aqueles que estão ao nosso lado, a escutar, a doar.
Pode parecer estranho, mas toda Palavra de vida, no final, leva a amar. Não é um exagero, é a lógica do Evangelho.
Somente se estamos no amor, somos cristãos autênticos.

«Deixai-vos sempre guiar pelo Espírito (…).Se, porém, sois conduzidos pelo Espírito, então não estais sob o jugo da Lei»

Deixemos ao Espírito a liberdade de nos conduzir pelo caminho do amor, por meio desta oração:
“Tu és a luz, a alegria, a beleza.
Tu arrebatas as almas, Tu inflamas os corações e inspiras pensamentos profundos e resolutos de santidade, com propósitos individuais inesperados.
Tu santificas. E sobretudo, ó Espírito Santo, Tu que és tão discreto, embora impetuoso e arrebatador, que sopras qual leve brisa que poucos sabem escutar e sentir, olha a grosseria de nossa indelicadeza e faz de nós devotos teus. Que não se passe um dia sem te invocarmos, sem te agradecermos, sem te adorarmos, sem te amarmos, sem vivermos como assíduos discípulos teus.
Nós te pedimos essa graça”.

Chiara Lubich

 

Maio 2006

Como é grande o coração de Deus. As divisões entre povos e nações, entre línguas e etnias para ele não existem, pois somos todos filhos seus e temos a mesma dignidade.
Até os primeiros cristãos de Jerusalém custavam a entender essa mentalidade aberta e universal. Sendo todos eles originários de um mesmo povo, que tinha a consciência de ser o povo eleito, sentiam dificuldade em estabelecer um relacionamento de autêntica fraternidade com outros povos. E tinham ficado escandalizados quando souberam que Pedro, em Cesaréia, tinha entrado na casa de Cornélio, um oficial romano, um estrangeiro. De fato, não deveria haver nada em comum com os estrangeiros.
Mas para Deus ninguém é estrangeiro.
Ele “faz nascer o seu sol sobre maus e bons e faz cair a chuva sobre os justos e injustos”1. Deus ama todos sem distinção.
Foi justamente isto que Pedro afirmou diante do soldado romano, superando ele mesmo os preconceitos que o separavam de pessoas de outros povos:

«Deus não faz discriminação entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença»

Se Deus age assim, também nós, seus filhos, deveríamos agir como ele e escancarar o coração, quebrar todas as barreiras, libertar-nos de toda a escravidão.
Sim, porque muitas vezes somos escravos das divisões entre pobres e ricos, entre gerações, entre brancos e negros, entre culturas e nacionalidades. Quantos preconceitos temos contra os imigrantes, contra os estrangeiros! Quantas restrições diante de quem é diferente de nós. Daí nascem a insegurança, o medo de perder a própria identidade, as intolerâncias…
Pode haver barreiras ainda mais sutis entre a nossa família e as famílias vizinhas, entre pessoas do nosso grupo religioso e as de convicções diferentes, entre bairros de uma mesma cidade, entre partidos, entre clubes esportivos… Daí surgem as desconfianças, os rancores cegos e profundos, inimizades doentias…
Com um Deus que não faz distinção de pessoas, como não buscar a fraternidade universal? Sendo filhos do mesmo Pai, podemos nos descobrir como irmãos e irmãs de cada homem e mulher que encontramos.

«Deus não faz discriminação entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença»

Portanto, se somos todos irmãos e irmãs, devemos amar a todos, começando por aquele que está ao nosso lado, sem jamais desistir. Então, o nosso amor não será um amor platônico, abstrato, mas um amor concreto, feito de serviço.
Um amor capaz de ir ao encontro do outro; de iniciar um diálogo; de assumir as suas dificuldades, os seus pesos, as suas preocupações até que o outro se sinta entendido e acolhido na sua diversidade e livre para exprimir toda a riqueza que leva consigo.
Um amor que mantém relacionamentos vivos e ativos entre pessoas das mais variadas convicções, baseados na “Regra de Ouro”– “Faça aos outros aquilo que gostaria fosse feito a você” – presente em todos os livros sagrados e escrita nas consciências.
Um amor que move os corações até chegar à comunhão dos bens, que ama a pátria dos outros como a própria, que constrói estruturas novas, na esperança de que é possível fazer retroceder guerras, terrorismo, lutas, fome, e os incontáveis males do mundo.

«Deus não faz discriminação entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença»

Foi o que experimentaram Fiore, uma das minhas primeiras companheiras de Roma, e Moira, uma jovem índia católica da Guatemala, a primeira de onze irmãos, descendente dos maias Kakjchichel. Os nativos são muito discriminados e isso cria um forte complexo de inferioridade diante dos mestiços e principalmente diante dos brancos.
Veja o que Moira conta sobre o seu encontro com Fiore, que “não tinha preferências” e falava ao coração das pessoas, fazendo cair todo tipo de barreira: “Nunca vou esquecer a acolhida calorosa de Fiore. O seu amor por mim era um reflexo do amor de Deus.
A minha cultura indígena e a educação familiar recebida me condicionaram a ser bastante fechada e dura com as pessoas, distanciando quem estava ao meu lado. Fiore foi para mim uma mestra, guia, modelo; ajudou-me a sair de mim mesma, para dirigir-me confiantemente aos outros.
Ela me sugeriu também que eu retomasse os estudos e não só: sustentou-me e encorajou-me a ir em frente quando, devido a dificuldades de cultura e de método, sentia a tentação de deixar tudo. Foi dessa forma que consegui obter o diploma de secretária executiva.
Sobretudo ela me tornou consciente da minha dignidade humana. Fez-me superar o complexo de inferioridade que, sendo índia, eu carregava dentro de mim como uma marca de fogo. Desde menina, eu sonhava lutar pela minha gente para resgatá-la. Com Fiore, entendi que eu devia começar por mim mesma: ser ‘nova’, se eu quisesse ver nascer um ‘povo novo’.”
Amando assim, com um Deus que não faz distinção de pessoas, podemos concretizar – como Moira – novos sonhos: “Com o meu sim a Deus me tornaria capaz de abrir uma porta para levar o Ideal da unidade a todo o meu povo. Posso afirmar que vejo isso já em parte realizado na minha família”2.

Chiara Lubich

1) Cf. Mt 5, 45;
2) MATILDE COCCHIARO, Un fiore raro. Ada Ungaro, Roma 2003, p.151-153

Abril 2006

Estas palavras de Jesus, muito mais eloqüentes do que um tratado, revelam o segredo da vida.
Não existe alegria de Jesus que não seja fruto de uma dor abraçada. Não há ressurreição sem morte.
Aqui Jesus fala de si mesmo e explica o significado da sua existência.
Faltam poucos dias para a sua morte. Será dolorosa, humilhante. Por que morrer, justamente Ele que se definiu “Eu sou a Vida”? Por que sofrer, Ele que é inocente? Por que ser caluniado, esbofeteado, escarnecido, pregado numa cruz, a morte mais desonrosa? E sobretudo por que Ele, que viveu na união constante com Deus, haveria de sentir-se abandonado pelo seu Pai? Também Ele sente medo da morte. No entanto, ela terá um sentido: a ressurreição.
Jesus tinha vindo para reunir os filhos de Deus dispersos1, para derrubar toda e qualquer barreira que separa povos e pessoas, para irmanar os homens divididos entre si, para trazer a paz e construir a unidade. Mas havia um preço a ser pago: para atrair todos a si, Ele deveria ser levantado da terra, na cruz2. Daí a parábola, a mais bonita de todo o Evangelho:

«Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele fica só. Mas, se morre, produz muito fruto»

Aquele grão de trigo é Ele.
Neste tempo de Páscoa Ele se nos apresenta a nós do alto da cruz – seu martírio e sua glória – como sinal de amor extremo. Ali Ele doou tudo: aos carrascos, o perdão; ao ladrão, o Paraíso; a nós, sua mãe e o próprio corpo e sangue. Deu a sua vida até o ponto de gritar: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”
Eu escrevia em 1944: “Sabes que Ele nos deu tudo? Que mais poderia dar-nos um Deus que, por amor, parece esquecer-se de que é Deus?” E deu-nos a possibilidade de nos tornarmos filhos de Deus: gerou um povo novo, uma nova criação.
No dia de Pentecostes o grão de trigo caído na terra e morto já florescia qual espiga fecunda: três mil pessoas de todos os povos e nações são transformadas “num só coração e numa só alma”. Depois são cinco mil, e depois…

«Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele fica só. Mas, se morre, produz muito fruto»

Esta Palavra dá sentido também à nossa vida, ao nosso sofrimento, à nossa morte, quando ela chegar.
A fraternidade universal pela qual desejamos viver, a paz, a unidade que queremos construir ao nosso redor é um vago sonho, uma ilusão, se não estivermos dispostos a percorrer o mesmo caminho traçado pelo Mestre.

O que fez Ele para “produzir muito fruto”?
Compartilhou todo o nosso modo de ser. Assumiu sobre si os nossos sofrimentos. Conosco, Ele se fez trevas, melancolia, cansaço, contraste… Experimentou a traição, a solidão, a orfandade… Numa palavra: Ele “se fez um” conosco, carregando tudo aquilo que para nós era um peso.
Assim devemos fazer também nós. Enamorados deste Deus que se faz nosso “próximo”, temos um modo para demonstrar-lhe a nossa imensa gratidão pelo seu infinito amor: viver como Ele viveu. E a nossa chance está em nos tornarmos “próximos” de quem passa ao nosso lado na vida, estando dispostos a “nos fazermos um” com ele, a abraçar a dor de uma divisão, a partilhar um sofrimento, a resolver um problema, com um amor concreto que sabe servir.
Jesus no abandono se doou completamente. Na espiritualidade centralizada Nele, Jesus Ressuscitado deve resplandecer plenamente e a alegria deve testemunhar que isso é verdade.

 Chiara Lubich

1) Cf. Jo 11,52;
2) Cf. Jo 12,32.

 

Março 2006

Praticar a verdade? Dizem que a verdade se aprende. Mas para Jesus, a verdade se pratica. Ele sempre nos surpreende.
Surpreso ficou também Nicodemos, um rabino, membro do Sinédrio. Quando foi procurar Jesus para perguntar-lhe como se faz para entrar no Reino de Deus, ouviu como resposta que deveria nascer de novo, ou seja, acolher a vida nova que Ele veio trazer; que deveria deixar-se transformar interiormente até se tornar filho de Deus e entrar, assim, no mesmo mundo de Jesus. A salvação, mais do que uma conquista humana, é um dom do Alto.
Nicodemos, tendo procurado Jesus à noite, nas trevas, voltou iluminado.

«Quem pratica a verdade se aproxima da luz»

Esta Palavra de Vida é um convite a agir em sintonia com a verdade, em coerência com o Evangelho. Ela quer que sejamos pessoas que colocam em prática a Palavra de Deus e não apenas que a escutam1. Como afirma um Padre da Igreja, Hilário, bispo de Poitiers, “não existe nada das palavras de Deus que não se deva cumprir; e tudo aquilo que é dito traz em si a exigência de ser realizado. As palavras de Deus são decretos”2.
Fé e comportamento moral estão estreitamente ligados entre si.
Se em Jesus – como aparece claramente no denso ensinamento dirigido a Nicodemos –, luz, vida e amor operante coincidem, não poderá ser diferente para aqueles que O acolhem e Nele se tornam filhos de Deus. “Quem obedece ao Senhor e por meio Dele segue a Escritura – escreve Clemente Alexandrino, outro Padre da Igreja –, se transforma plenamente conforme a imagem do Mestre. Chega a viver como Deus em carne”3.
A mesma coerência é exigida daqueles que não professam nenhum credo religioso. As suas convicções mais profundas, que nascem na própria consciência, querem ser traduzidas em fatos.

«Quem pratica a verdade se aproxima da luz»

Viver a verdade tem como fruto chegar à luz, “acolher” Cristo. E foi Jesus quem prometeu: “A quem me ama (…) eu me manifestarei”4. Ele é a “luz verdadeira”5.
Mas outro fruto dessa prática da verdade é o testemunho que se irradia ao nosso redor, na sociedade em que vivemos. Foi também Jesus que disse isso, convidando-nos a fazer resplandecer a luz “diante das pessoas, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus”6.
A coerência de vida fala mais alto do que qualquer discurso. Os filhos esperam a coerência de seus pais: querem vê-los unidos, consolidando a harmonia familiar. Os cidadãos desejam coerência dos políticos a quem elegeram: que sejam fiéis ao programa apresentado, que se dediquem ao bem comum, que sejam honestos na administração dos recursos financeiros. Os estudantes pedem coerência aos professores, com relação ao próprio empenho didático e educativo. Honestidade, transparência, competência são exigidas dos comerciantes, dos operários, dos profissionais…
A sociedade se constrói também através do testemunho de coerência entre os próprios ideais e as opções concretas do dia-a-dia.

«Quem pratica a verdade se aproxima da luz»

É a experiência de homens como Nelson Mandela, que soube ser fiel ao seu empenho em prol da igualdade, pagando com longos e escuros anos de cárcere, mas tornando-se depois um líder do seu país; e como Martin Luther King, que pagou com a vida a sua coerência.
Isto sem falar dos muitos homens e mulheres desconhecidos, mas não menos autênticos nas suas escolhas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com aquele empresário ao qual pediram uma propina em troca de novas encomendas. Ele não quis trair os seus princípios. Tomou uma decisão sofrida mas firme, consciente de que, mantendo a sua honestidade, estaria arriscando perder grande parte do seu faturamento. De fato, a grande rede de lojas que distribuía os seus produtos cancelou todos os pedidos novos, levando a sua empresa à beira da falência. Porém, depois de alguns meses, aquela mesma rede teve que voltar atrás, visto que os seus clientes protestaram por não encontrarem mais nas prateleiras os produtos da empresa. Assim, a coerência de vida foi reconhecida.

Chiara Lubich

1) Cf. Tg 1,22;
2) Tract. in Psalmum, 13,1: PL 9, 295;
3) Clemente Alexandrino, Stromatum, VII, 16, in PG 9, 539C;
4) Jo 14,21;
5) Cf. Jo 1,8-13;
6) Cf. Mt 5,14-16.

Fevereiro de 2006

Que dia intenso Jesus viveu naquele sábado, na cidade de Cafarnaum! Tinha falado na sinagoga, deixando todos admirados com o seu ensinamento. Tinha libertado um homem possuído por um espírito imundo. Saindo da sinagoga, foi à casa de Simão Pedro e de André, e lá curou a sogra de Pedro. À tardinha, depois do pôr-do-sol, trouxeram-lhe todos os doentes e os que tinham demônios e Ele curou muitos dos que sofriam de diversas enfermidades e expulsou muitos demônios.
Depois de um dia e uma noite tão intensos, pela manhã, quando ainda estava bem escuro, Jesus se levantou e

“(…) saiu rumo a um lugar deserto. Lá, ele orava”.

Era a saudade do Céu. Foi de lá que Ele veio ao mundo para nos revelar o amor de Deus, para nos abrir o caminho do Céu, para compartilhar a nossa vida em tudo. Ele tinha percorrido os caminhos da Palestina ensinando as multidões, curando todo tipo de doença e de enfermidade, instruindo os seus discípulos.  
Mas a seiva vital, que jorrava como água viva do seu íntimo, era fruto do seu relacionamento constante com o Pai. Ele e o Pai se conhecem, se amam, estão um no outro, são uma só coisa.
O Pai é o “Abbá”, ou seja, o papai, o paizinho a quem Ele podia dirigir-se carinhosamente com infinita confidência e ilimitado amor.

“(…) saiu rumo a um lugar deserto. Lá, ele orava.”

Uma vez que o Filho de Deus veio à terra por nós, não se deu por satisfeito de estar sozinho nessa condição privilegiada de oração. Redimindo-nos com a sua morte, nos tornou filhos de Deus, nos fez seus irmãos.
Assim, também para nós se tornou possível fazer aquela sua divina invocação – “Abbá, Pai” –, com tudo o que ela comporta: certeza de sua proteção, segurança, abandono cego no seu amor, consolações divinas, força, ardor; ardor que nasce no coração de quem tem a certeza de ser amado…

E, depois que entramos no silêncio da “cela interior” da nossa alma, podemos falar com Ele, adorá-lo, externar-lhe o nosso amor, agradecer-lhe, pedir-lhe perdão, confiar-lhe as necessidades nossas e de toda a humanidade, bem como os nossos sonhos e desejos… O que é que não se pode dizer a alguém que – temos a absoluta certeza – nos ama imensamente e é onipotente?

E podemos falar com o Verbo, com Jesus. Sobretudo podemos escutá-lo, deixar que Ele nos repita as suas palavras: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!”, “Eis que estou convosco todos os dias”; os seus convites: “Vem e segue-me”, “Perdoa setenta vezes sete vezes”, “Faze ao outro aquilo que gostarias fosse feito a ti”.
Podem ser momentos prolongados, ou até mesmo instantes breves e freqüentes no decorrer do dia todo, como que um olhar de amor, um sussurrar-lhe: “És tu o meu único bem”, “Por ti ofereço esta minha ação”. 
Não podemos prescindir da oração. Assim como não podemos viver sem respirar, também não podemos viver sem orar, pois a oração é o respiro da alma, a expressão do nosso amor a Deus. 
Sairemos revigorados desse diálogo, desse relacionamento de comunhão e de amor, prontos para enfrentar, com nova intensidade e confiança, a vida de cada dia. Teremos também um relacionamento mais verdadeiro com os outros e com as coisas.

“(…) saiu rumo a um lugar deserto. Lá, ele orava.”

Se não fechamos as cortinas da alma com o recolhimento, Senhor, não podes entreter-te conosco como o teu amor às vezes gostaria. Mas, uma vez desprendidos de tudo para nos recolhermos em ti, não voltaríamos mais para trás, tão suave é para a alma a união contigo e caduco tudo o mais.

Aqueles que te amam com sinceridade, freqüentemente te ouvem, Senhor, no silêncio do seu quarto, no fundo do seu coração; e essa sensação comove a alma como se toda vez atingisse o seu âmago. E te agradecem por essa tua proximidade, por esse Tudo que és: Aquele que dá sentido ao viver e ao morrer.

E te agradecem, mas muitas vezes não sabem como fazê-lo, nem dizê-lo. Sabem apenas que são amados por ti e te amam, que não existe nada tão suave aqui na terra que nem de longe se possa assemelhar. O que sentem na alma, quando Tu apareces, é Céu e “se o Céu é assim”, dizem, “oh! como é bonito!”.

Agradecem-te, Senhor, pela vida inteira, porque os conduziste até aqui. Se lá fora ainda existem sombras que poderiam ofuscar o seu paraíso antecipado, quando te manifestas, tudo se torna remoto e distante: não existe.
Tu existes. 
Assim é.

 

Chiara Lubich