Movimento dos Focolares

Reflexão de Chiara Lubich sobre a Palavra de vida do mês julho de 2005

Deus é Amor. Essa é a certeza mais inabalável que deve guiar a nossa vida, mesmo quando a dúvida nos assalta diante de grandes calamidades naturais, diante da violência de que a humanidade é capaz, diante dos nossos insucessos e fracassos, diante dos sofrimentos que nos afligem pessoalmente.
Que Deus é Amor, Ele mesmo nos demonstrou e continua a fazê-lo de mil modos: dando-nos a criação, a vida (e todo bem a ela vinculado), a redenção por meio do seu Filho, a possibilidade da santificação por meio do Espírito Santo.
Deus nos manifesta o seu Amor sempre: está próximo a cada um de nós, acompanhando-nos e sustentando-nos passo a passo nas provações da vida. Isso nos é confirmado pelo Salmo de onde foi tirada esta Palavra de Vida, que fala da insondável grandeza de Deus, do seu esplendor, do seu poder e, ao mesmo tempo, da sua ternura e da sua imensa bondade. Ele é capaz de façanhas prodigiosas e, ao mesmo tempo, é um pai repleto de atenções, e mais dedicado do que uma mãe.

“O senhor ampara todos os que caem e reergue todos os combalidos.”

De quando em quando todos nós temos de enfrentar situações difíceis, dolorosas, quer na nossa vida pessoal, quer nos relacionamentos com os outros. E às vezes constatamos toda a nossa fragilidade.  
Encontramo-nos diante de muros de indiferença e de egoísmo. Sentimo-nos de mãos atadas diante de acontecimentos que parecem superar as nossas forças.
E quantas circunstâncias dolorosas cada um tem de enfrentar na vida! Quanta necessidade de que um Outro se preocupe com elas! Pois bem, nesses momentos a Palavra de Vida pode nos socorrer.
Jesus deixa que experimentemos a nossa incapacidade, certamente não com a intenção de nos desencorajar, mas para fazer-nos experimentar o extraordinário poder da sua graça, que se manifesta justamente quando parece que as nossas forças não vão resistir, a fim de nos ajudar a entender melhor o seu amor. Porém, com uma condição: que tenhamos uma total confiança Nele, como uma criancinha confia na sua mãe; um abandono ilimitado, que nos faz sentir nos braços de um Pai que nos ama assim como nós somos. E para Ele tudo é possível.
E nem mesmo a consciência dos nossos erros nos pode bloquear, porque Deus, sendo amor, nos levanta toda vez que caímos, como fazem o pai e a mãe com o seu filhinho.

“O senhor ampara todos os que caem e reergue todos os combalidos.”

Apoiados nesta certeza, podemos lançar Nele qualquer preocupação, qualquer problema, conforme o convite das Escrituras: “Lançai sobre ele toda a vossa preocupação, pois Ele é quem cuida de vós”.
Também para nós, no início do Movimento, quando a pedagogia do Espírito Santo nos ensinava a dar os primeiros passos no caminho do amor, “lançar toda preocupação no Pai” era coisa de todos os dias e de várias vezes ao dia.
Lembro que eu dizia que não podemos segurar na mão uma brasa, mas logo a jogamos fora, pois do contrário ela queima. Assim também, com a mesma rapidez, lançávamos no Pai toda preocupação. E não lembro de nenhuma preocupação que Ele não tenha resolvido, quando lançada no seu coração.
Mas não é sempre fácil crer, e crer no seu amor.
Durante este mês esforcemo-nos por viver assim em todas as situações, mesmo nas mais intrincadas. Assistiremos vez por vez à intervenção de Deus, que nunca nos abandona, mas cuida de nós. Experimentaremos uma força jamais conhecida, capaz de liberar em nós aptidões novas e imprevistas.

 

Chiara Lubich

 

Reflexão de Chiara Lubich sobre a Palavra de vida do mês junho de 2005

Enquanto saía de Cafarnaum, Jesus viu um cobrador de impostos chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos. Mateus exercia um trabalho que o tornava odioso aos olhos do povo e que o igualava aos agiotas e exploradores que se enriqueciam à custa dos outros. Os escribas e fariseus o colocavam no mesmo nível dos pecadores públicos, tanto que censuravam Jesus por ser “amigo dos publicanos e pecadores” e por comer junto com eles.

Contrariando toda convenção social, Jesus chamou Mateus a segui-lo e aceitou o convite para almoçar na sua casa, da mesma forma como fez mais tarde com Zaqueu, chefe dos cobradores de impostos de Jericó. Quando pediram que Jesus explicasse essa atitude, Ele disse que veio para curar os doentes e não os que têm saúde, e que veio chamar não os justos, mas os pecadores. Também desta vez o seu convite era dirigido justamente a um deles:

“Segue-me.”

Jesus já havia feito esse chamado a André, Pedro, Tiago e João, às margens do lago. O mesmo convite Ele dirigiu depois, com palavras diferentes, a Paulo, na estrada de Damasco.

Mas Jesus não se limitou àqueles chamados; no decorrer dos séculos Ele sempre atraiu a si homens e mulheres de todos os povos e nações. E continua a fazê-lo ainda hoje: Ele se apresenta na nossa vida, nos encontra em lugares diferentes, de modos diferentes, e nos faz ouvir novamente o seu convite a segui-lo.

Jesus nos chama a estar com Ele porque deseja estabelecer um relacionamento pessoal; e ao mesmo tempo nos convida a colaborar com Ele no grande projeto de uma nova humanidade.

Ele não se importa com as nossas fraquezas, os nossos pecados, as nossas misérias. Ele nos ama e nos escolhe tais como nós somos. É o seu amor que vai nos transformar e dar forças para responder-lhe, e coragem para segui-lo como aconteceu com Mateus.

E para cada um de nós Ele tem um amor particular, um projeto de vida, um chamado especial. É algo que se percebe no coração por meio de uma inspiração do Espírito Santo ou através de determinadas circunstâncias, ou por um conselho ou indicação de alguém que nos quer bem… Embora manifestando-se nos modos mais diferentes, a mesma palavra continua ecoando:

“Segue-me.”

Lembro de quando também eu percebi esse chamado de Deus.

Foi numa gelada manhã de inverno, em Trento, Itália. Minha mãe pediu à minha irmã caçula que fosse buscar o leite, a dois quilômetros de casa. Mas fazia frio demais e ela não teve coragem. Também minha outra irmã se recusou a ir. Então eu me adiantei: “Mamãe, eu vou!” Dizendo isso, peguei a garrafa e saí. A meio caminho aconteceu um fato um pouco especial: tive a impressão de que o Céu como que se abrisse e que Deus me convidasse a segui-lo. “Entrega-te inteiramente a mim”, foi o que senti no coração.

Era o chamado explícito, ao qual eu quis responder imediatamente. Falei sobre isso com o meu confessor, o qual permitiu que eu me doasse a Deus para sempre. Era o dia 7 de dezembro de 1943. Nunca serei capaz de descrever o que me passou no coração naquele dia: eu tinha desposado Deus. Dele eu podia esperar tudo.

“Segue-me.”

Esta palavra não se refere apenas ao momento no qual decidimos a nossa opção de vida. Dia após dia Jesus continua a dirigi-la a nós. “Segue-me”, é o que Ele parece sugerir-nos diante dos mais simples deveres do dia-a-dia; “Segue-me” – naquela provação que devo abraçar, naquela tentação a superar, naquele serviço que devo fazer…

Como podemos responder concretamente ao seu apelo?

Fazendo o que Deus quer de nós no momento presente, pois cada instante contém sempre uma graça especial. 
O nosso empenho para este mês, portanto, será entregar-nos à vontade de Deus com decisão; doar-nos ao irmão e à irmã que devemos amar; doar-nos ao trabalho, ao estudo, à oração, ao repouso, às atividades que devemos desempenhar. 

Devemos aprender a escutar no profundo do coração a voz de Deus que fala também com a voz da consciência, dispostos a sacrificar tudo para atuar aquilo que Ele deseja de nós em cada momento, e que essa voz nos revelará.
Faze que te amemos, ó Deus, não só todo dia cada vez mais – porque podem ser pouquíssimos os dias que nos restam –, mas faze que te amemos em cada momento presente com todo o coração, a alma e as forças, fazendo sempre a tua vontade.
Este é o melhor sistema para seguir Jesus.

 

Chiara Lubich

 

Reflexão de Chiara Lubich sobre a Palavra de vida do mês maio de 2005

Era a noite de Páscoa. Jesus ressuscitado já tinha aparecido a Maria Madalena. Pedro e João tinham visto o túmulo vazio. E mesmo assim os discípulos continuavam isolados em casa, cheios de medo, até a hora em que o Ressuscitado se apresentou no meio deles, a portas fechadas, porque não existia mais barreira alguma que pudesse separá-lo dos seus amigos.
É verdade que Jesus tinha partido, mas, conforme a sua promessa, agora voltava para ficar para sempre: “Ficou em meio a eles”; não era uma aparição momentânea, mas uma presença permanente! Desse momento em diante, os discípulos não estarão mais sozinhos e o temor cede lugar a uma profunda alegria: “Os discípulos, então, se alegraram por verem o Senhor”.
O Ressuscitado escancarou os corações deles e as portas da casa para o mundo inteiro, dizendo:

“Como o Pai me enviou também eu vos envio.”

Jesus tinha sido enviado pelo Pai para reconciliar todos com Deus e recompor a unidade do gênero humano. Agora cabe aos seus discípulos continuar a edificação da Igreja. Assim como Jesus pôde cumprir o desígnio do Pai porque era uma só coisa com Ele, assim também eles poderão continuar sua altíssima missão porque o Ressuscitado está neles. Foi o que Jesus pediu ao Pai: “Eu neles”.  
Do Pai a Jesus, de Jesus aos apóstolos, dos apóstolos aos seus sucessores, o mandato nunca deixou de existir.
Mas também todo cristão deve sentir ressoar no seu coração essas palavras de Jesus. Com efeito, “existe na Igreja diversidade de serviços, mas unidade de missão”, ou seja, as vocações são muitas, mas todos somos chamados a evangelizar.

“Como o Pai me enviou também eu vos envio.”

Para cumprir este mandato do Senhor, devemos fazer com que Ele viva em nós. De que modo? Sendo membros vivos da Igreja, identificando-nos com a Palavra de Deus, evangelizando primeiramente a nós mesmos.
É um dos deveres da “nova evangelização” anunciada por João Paulo II. Ele escreveu: “Alimentar-nos da Palavra para sermos ‘servos da Palavra’ no trabalho de evangelização: tal é, sem dúvida, uma prioridade da Igreja no início do novo milênio”, porque “somente um homem transformado (…) pela lei do amor de Cristo e pela luz do Espírito Santo pode operar uma verdadeira metanoia (conversão) dos corações e da mente de outros homens, do ambiente, do país ou do mundo”.
Nos tempos atuais não bastam mais as palavras. “O homem de hoje escuta mais as testemunhas do que os mestres” – notava já Paulo VI – “e quando escuta os mestres é porque eles são testemunhas”. O anúncio do Evangelho será eficaz se for apoiado num testemunho de vida como o dos primeiros cristãos, que podiam dizer: “Anunciamo-vos o que vimos e ouvimos…”; será eficaz se for possível dizer de nós, como se dizia deles: “Vede como se amam, e estão prontos a dar a vida uns pelos outros”; será eficaz se concretizarmos o amor, doando, respondendo a quem se encontra em necessidade, e se soubermos dar alimento, roupa, casas a quem não tem, amizade a quem se encontra sozinho ou desesperado, apoio a quem está passando por momentos difíceis.
Vivendo assim, testemunharemos o fascínio de Jesus e, se nos tornarmos “outros Cristo”, a sua obra continuará, inclusive por meio deste contributo.

“Como o Pai me enviou também eu vos envio.”

Foi essa a experiência de alguns médicos e enfermeiras nossos: em 1966 tomaram conhecimento da situação pela qual passava o nobre povo Bangwa, na República dos Camarões, o qual naquele período estava sendo castigado por graves doenças, com uma mortalidade infantil de 90% que o ameaçava de completa extinção.
Eles partiram da Europa para ficar com aquele povo. Mas sentiram que o seu primeiro dever era continuar a amar-se mutuamente para testemunhar o Evangelho. Amaram indistintamente a todos, um por um. Oferecendo seus serviços profissionais, abriram um ambulatório, que em pouco tempo transformou-se num hospital. A mortalidade infantil caiu para 2%. Em plena floresta, eles construíram uma pequena usina hidrelétrica, e depois uma escola de 1º e 2º graus. Com o tempo, e também contando com a ajuda da população local, abriram doze estradas de acesso para outras aldeias.
O amor concreto foi contagiante, e grande parte do povo começou a compartilhar a nova vida. Aldeias que antes estavam em luta se reconciliaram. Contendas sobre divisas territoriais foram resolvidas em harmonia. Vários reis de clãs diferentes fizeram um pacto de amor mútuo entre eles e vivem como irmãos, oferecendo, numa partilha concreta, um maravilhoso testemunho, um exemplo original e autêntico.

 

Chiara Lubich

 

Reflexão de Chiara Lubich sobre a Palavra de vida do mês abril de 2005

Freqüentemente Jesus falava em parábolas e usando imagens. Era um modo simples e eficaz de ensinar as verdades mais profundas, das quais ele era portador. Esta Palavra de Vida faz parte da história do pastor com o seu rebanho, uma alegoria que lembrava cenas do dia-a-dia, bem familiares aos ouvintes de Jesus. Ele chama a atenção para os ladrões e malfeitores que, como lobos vorazes, atacam e dispersam o rebanho. Enquanto que ele se compara a um bom pastor, que realmente se importa com as próprias ovelhas, guiando-as e defendendo-as até o ponto de enfrentar a morte, se necessário for!
Mas em Jesus, para além da parábola, isto se torna realidade: ele realmente morreu na cruz “para que tenhamos a vida”.

“Eu vim para que tenham vida…”

Ele veio porque o Pai o enviou para nos trazer a sua vida divina. De fato, Deus amou o mundo a tal ponto que deu o seu Filho para que todo o que nele crer não morra, mas tenha vida eterna.  
A vida que Jesus veio nos trazer não é a simples vida terrena que recebemos dos nossos pais. Com efeito, a vida que ele nos doa é “vida eterna”, ou seja, é participação na sua vida de Filho de Deus, é a acolhida na comunhão íntima com Deus: é a própria vida de Deus, que Jesus pode nos comunicar porque ele mesmo é a Vida. Foi o que ele disse: “Eu sou a Vida”, que “todos nós, de sua plenitude, recebemos”.
Mas nós sabemos que a vida de Deus é o amor.
Jesus, Filho de Deus que é Amor, vindo a esta terra, viveu por amor e nos trouxe o mesmo amor que arde nele. Ele doa a nós a mesma chama daquele incêndio infinito e nos quer cheios de “vida”, da vida que ele vive.

“e a tenham em abundância.”

Uma vez que Jesus não só possui a vida, mas “é” a Vida, ele pode doá-la com abundância, assim como doa a plenitude da alegria.
O dom de Deus é sempre desmedido, infinito e generoso como Deus. Desse modo ele vem ao encontro das aspirações mais profundas do coração humano, da sua fome por uma vida plena e sem fim. Somente ele pode saciar o desejo de infinito. Porque a sua vida é “vida eterna”, um dom não somente para o futuro, mas para o presente. A vida de Deus em nós já começa desde agora e nunca mais morre.
Como se pode não lembrar aqueles cristãos realizados que são os santos? Eles se apresentam tão ricos de vida que chegam a transbordá-la ao seu redor.
De onde vinha o abraço universal de Francisco de Assis, capaz de acolher os pobres, de encontrar-se com o Sultão, de reconhecer irmãos e irmãs em cada criatura? De onde nascia o amor concreto de Madre Teresa de Calcutá, que se fez mãe para cada criança abandonada e irmã de toda pessoa marginalizada? Eles possuíam uma vida extraordinária, a vida que Jesus lhes havia doado.

“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância.”

Como podemos viver esta Palavra de Vida?
Acolhendo a Vida que Jesus nos doa e que já vive em nós por meio do batismo que recebemos e pela nossa fé. Essa Vida pode sempre crescer à medida que amamos. É o amor que faz viver. Quem permanece no amor – escreve são João – permanece em Deus, participa da sua mesma vida. Sim, porque se o amor é a vida e o ser de Deus, o amor é também a vida e o ser do homem. E o inverso também é verdade: todas as vezes que não amamos, nós não vivemos.
Disso é testemunha eloqüente a partida para o céu de Renata Borlone, uma focolarina para a qual foi iniciado há poucos meses o processo de beatificação. Ao receber a notícia da morte iminente, ela a aceitou de todo o coração, como vontade de Deus, e disse que desejava testemunhar que “a morte é vida”, é ressurreição, e se propôs, com a ajuda de Deus, a dar esta demonstração até o fim. E ela o conseguiu, transformando assim um evento de luto num tempo de Páscoa, de Vida.

 

Chiara Lubich

 

Reflexão de Chiara Lubich sobre a Palavra de vida do mês de março de 2005

Se existe uma realidade misteriosa na nossa vida, essa é o sofrimento. E bem que gostaríamos de evitá-lo; no entanto, mais cedo ou mais tarde ele acaba chegando: uma simples dor de cabeça que parece estragar as mais corriqueiras ações do dia-a-dia, ou o desgosto por um filho que enveredou por um mau caminho; o fracasso no trabalho, ou o acidente que leva embora um amigo ou alguém da família; a humilhação pelo insucesso numa prova, ou a nossa angústia por causa das guerras, do terrorismo, dos desastres ambientais….
Diante da dor nós nos sentimos impotentes. Até alguém que está próximo a nós, e nos quer bem, freqüentemente é incapaz de nos ajudar a superá-la; mesmo assim, às vezes nos basta que alguém se disponha a dividir a dor conosco, embora em silêncio.
Foi isso que Jesus fez: ele veio para estar perto de cada homem, de cada mulher, até compartilhar tudo o que é nosso. Ainda mais: ele tomou sobre si todas as nossas dores e se fez dor conosco, até o ponto de gritar:

“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”

Eram as três da tarde quando Jesus lançou este grito ao céu. Fazia três longas horas que Ele estava suspenso na cruz, pregado pelas mãos e pés.  
Tinha vivido a sua breve vida num contínuo ato de doação a todos: tinha curado os doentes e ressuscitado os mortos, tinha multiplicado os pães e perdoado os pecados, tinha pronunciado palavras de sabedoria e de vida.
Mais ainda: na cruz, dá o perdão aos carrascos, abre o Paraíso ao ladrão e, enfim, nos doa o seu corpo e o seu sangue, depois de tê-los dado a nós na Eucaristia. E por fim grita:

“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”

Mas Jesus não se deixa vencer pela dor; como que por uma alquimia divina, Ele transforma a dor em amor, em vida. Com efeito, justamente enquanto parece sentir a infinita distância do Pai, Ele, com um esforço desmedido e inimaginável, acredita no seu amor e volta a se abandonar totalmente Nele: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (cf. Lc 23,46).
Jesus restabelece a unidade entre o Céu e a terra, abre-nos as portas do Reino dos céus e nos torna plenamente filhos de Deus e irmãos entre nós.
É o mistério de morte e de vida, que celebramos nestes dias de Páscoa, dias de ressurreição.
É o mesmo mistério que a primeira discípula de Jesus, Maria, experimentou em plenitude. Também ela, aos pés da cruz, foi chamada a “perder” o que tinha de mais precioso: o seu Filho Deus. Mas naquele momento, justamente porque aceita o plano de Deus, ela se torna Mãe de muitos filhos, nossa Mãe.

“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”

Por meio da sua dor infinita, que é o preço da nossa redenção, Jesus se faz solidário conosco em tudo, toma sobre si o nosso cansaço, as nossas ilusões, os desnorteamentos, os fracassos, e nos ensina a viver.
Se é verdade que ele assumiu todas as dores, as divisões, os traumas da humanidade, então é verdade também que, lá onde vejo um sofrimento, em mim ou nos meus irmãos e irmãs, posso reconhecer Jesus. Cada dor física, moral, espiritual me faz lembrar Dele, é uma presença sua, um semblante seu.
Posso dizer: “Neste sofrimento eu te amo, Jesus abandonado. És tu que, assumindo como tua a minha dor, vens me visitar. Então eu te quero, te abraço!”.
Depois,se estivermos atentos em amar, em corresponder à sua graça, em querer aquilo que Deus quer de nós no momento seguinte, em viver a nossa vida por Ele, experimentaremos que, na maioria das vezes, a dor desaparece. E isto porque o amor atrai os dons do Espírito: alegria, luz, paz. E resplandece em nós o Ressuscitado.

 

Chiara Lubich

 

Reflexão de Chiara Lubich sobre a Palavra de vida do mês de fevereiro de 2005

Durante a Quaresma a Igreja nos lembra que a nossa vida é um caminho rumo à Páscoa, ocasião em que Jesus, com a sua morte e ressurreição, nos introduz na verdadeira vida, preparando-nos para o encontro com Deus. Um caminho que não é isento de dificuldades e de provações, comparável a uma travessia do deserto.
Foi justamente no deserto que o povo de Israel, enquanto se encaminhava para a terra prometida, abandonou por um momento o seu Deus e adorou o bezerro de ouro.
Também Jesus esteve no deserto durante quarenta dias e também Ele foi tentado por Satanás a adorar o sucesso e o poder; mas rompeu radicalmente com toda bajulação do mal e se orientou com decisão ao Único Bem:

“Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a ele prestarás culto.”

O que aconteceu com o povo judeu e com Jesus acontece também conosco, no nosso dia-a-dia. Não faltam as tentações de nos desviarmos por caminhos mais fáceis: somos tentados a procurar a nossa alegria e a depositar a nossa segurança na eficiência, na beleza, no divertimento, na posse, no poder…, realidades que, em si, são positivas, mas que podem ser absolutizadas e que a sociedade muitas vezes propõe como verdadeiros ídolos.  
E quando não se reconhece e não se adora Deus, inevitavelmente aparecem outros “deuses”. Basta ver quantas pessoas recorrem ao culto da astrologia, da magia etc.
Jesus nos lembra que nós alcançamos a plenitude do nosso ser não buscando essas coisas que passam, mas nos colocando diante de Deus, do qual tudo provém, e reconhecendo-o por aquilo que Ele realmente é: o Criador, o Senhor da história, o nosso Tudo, Deus!
Se é verdade que o louvaremos sem cessar no Céu, para onde caminhamos, por que não podemos antecipar desde já o nosso louvor a Ele?
Quantas vezes também nós sentimos uma sede de permanecer em adoração, como quando o louvamos no fundo do nosso coração, no silêncio dos sacrários, onde é viva a sua presença, e na festiva assembléia eucarística!

“Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a ele prestarás culto.”

Mas o que significa “adorar” a Deus? É uma atitude que só podemos ter para com Ele.
Adorar significa dizer a Deus: “Tu és tudo”, ou seja: “És aquele que é”; e eu tenho o privilégio imenso do dom da vida para reconhecer isto.
Adorar significa também acrescentar “eu sou nada”, dizendo isso não só com as palavras: pois, para adorar a Deus, precisamos anular a nós mesmos e fazer com que Ele triunfe em nós e no mundo. Isso implica uma constante demolição dos falsos ídolos que somos tentados a construir na nossa vida.
No entanto, a atitude mais segura para chegar à proclamação existencial do nada que somos e do tudo que é Deus é inteiramente positiva: para anular os nossos pensamentos, basta pensar em Deus e ter os seus pensamentos, que nos são revelados pelo Evangelho; para anular a nossa vontade, basta cumprir a sua vontade que nos é indicada no momento presente; para anular os nossos afetos desordenados, basta ter no coração o amor para com Ele e amar os nossos próximos, compartilhando seus anseios, sofrimentos, problemas, alegrias.
Se formos sempre “amor”, seremos, sem perceber, “nada” para nós mesmos. E quando vivemos o nosso nada, afirmamos com a nossa vida a superioridade de Deus, o fato de Ele ser tudo, abrindo-nos assim à verdadeira adoração de Deus.

“Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a ele prestarás culto.”

Muitos anos atrás, quando descobrimos que adorar Deus significava proclamar o tudo Dele sobre o nosso nada, compusemos uma canção que dizia: “Se lá no céu se apagam as estrelas, / Se cada dia morre, / Se no mar a onda se perde e não retorna / É pra tua glória. / A natureza canta a ti: / Tudo és! / E cada coisa diz a si: / Nada sou!”.
Anulando-nos por amor encontrávamos como resultado o nosso nada preenchido pelo Tudo, Deus, que entrava no nosso coração.

 

Chiara Lubich