Movimento dos Focolares

Reflexão de Chiara Lubich sobre a Palavra de vida do mês de janeiro de 2006

Paulo chegou a Corinto no ano 50. Era uma grande cidade da Grécia, famosa pelo importante porto comercial e muito animada devido às suas numerosas correntes de pensamento. Ali, durante 18 meses, o apóstolo anunciou o Evangelho e lançou as bases de uma florescente comunidade cristã. Depois dele, outros continuaram a obra de evangelização. Mas os novos cristãos corriam o risco de apegar-se aos portadores da mensagem de Cristo, mais do que ao próprio Cristo. E assim nasciam as facções: “Eu sou de Paulo”, diziam alguns; e outros, referindo-se sempre ao apóstolo de sua preferência: “Eu sou de Apolo”, ou então: “Eu sou de Pedro”.

Diante da divisão que inquietava a comunidade, Paulo, comparando a Igreja a uma construção, a um templo, afirma com força que os construtores podem ser muitos, mas um só é o fundamento, a pedra viva: Cristo Jesus.
Sobretudo neste mês, no qual em muitos países se celebra a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, as Igrejas e as comunidades eclesiais recordam juntas que Cristo é seu único fundamento e que, somente aderindo a Ele e vivendo o seu Evangelho – que é único –, elas podem encontrar a unidade plena e visível entre si.

“Cristo, único fundamento da Igreja.”

Alicerçar a nossa vida em Cristo significa ser uma só coisa com Ele, pensar como Ele pensa, querer aquilo que Ele quer, viver como Ele viveu.  
Mas, como podemos nos alicerçar Nele, enraizar-nos Nele? Como podemos nos tornar uma só coisa com Ele?
Colocando em prática o Evangelho.

Jesus é o Verbo, ou seja, a Palavra de Deus que se fez carne. E se Ele é a Palavra que assumiu a natureza humana, nós seremos verdadeiros cristãos se formos homens e mulheres que moldam inteiramente a própria vida de acordo com a Palavra de Deus.
Se nós vivemos as suas palavras, ou melhor, se as suas palavras vivem em nós, até o ponto de nos transformar em “Palavras vivas”, somos um com Ele, estreitamo-nos a Ele; não mais o “eu” ou o “nós” vive em todos, mas a Palavra. Isso nos permite pensar que, vivendo assim, daremos uma contribuição para que a unidade entre todos os cristãos se torne uma realidade.

Assim como o corpo respira para viver, da mesma forma a alma, para viver, põe em prática a Palavra de Deus.
Um dos primeiros efeitos disso é o nascimento de Jesus em nós e entre nós, o que provoca uma mudança de mentalidade: injeta nos corações de todos, quer sejam europeus ou asiáticos, ou australianos, ou americanos, ou africanos, os mesmos sentimentos de Cristo, diante das circunstâncias, de cada pessoa, da sociedade.

Foi essa a experiência de um dos meus primeiros companheiros de Movimento, Giulio Marchesi, engenheiro de uma grande indústria e depois diretor de outra importante empresa de Roma. As muitas situações vividas no trabalho e em outras áreas sociais levaram-no à desagradável constatação de que, em todo lugar, o que movia as pessoas eram objetivos egoístas; e que, portanto, não podia existir a felicidade neste mundo.
Um dia, porém, quando encontrou pessoas que viviam a Palavra de Vida, tudo pareceu mudar nele e ao seu redor. Começando também ele a viver o Evangelho, não tardou a perceber no coração uma sensação de plenitude e de alegria.
Giulio escreveu:
“Eu descobria a universalidade das Palavras de Vida. Elas desencadeavam em mim uma verdadeira revolução, mudavam toda a minha relação com Deus e com o próximo. Para mim, todos eram irmãos e irmãs e eu tinha a impressão de conhecê-los desde sempre. Experimentei também o amor de Deus por mim: era só procurá-lo na oração. Resumindo, a Palavra vivida me tornou livre!”
E ele continuou livre, mesmo quando, nos seus últimos anos de vida, ficou preso a uma cadeira de rodas.
Sim, a Palavra vivida nos torna livres dos condicionamentos humanos, gera alegria, paz, simplicidade, plenitude de vida, luz. Fazendo-nos aderir a Cristo, transforma-nos pouco a pouco em outros Cristo.

“Cristo, único fundamento da Igreja.”

Mas existe uma Palavra que resume todas as outras: é amar. Amar a Deus e amar o próximo. Nessa Palavra Jesus sintetiza “toda a Lei e os Profetas”.
O fato é esse: cada Palavra, embora sendo expressa em termos humanos e variados, é Palavra de Deus; e uma vez que Deus é Amor, cada Palavra é amor, é caridade.
Como viveremos, então, neste mês? Como podemos estreitar-nos a Cristo, “único fundamento da Igreja”? Amando da forma como Ele nos ensinou.
“Ama e faze o que queres”, disse santo Agostinho, como que sintetizando a norma de vida evangélica; pois quem ama não erra, mas cumpre plenamente a vontade de Deus.

 

Chiara Lubich

 

Palavra de Vida – Dezembro de 2004

O Natal se aproxima, estamos esperando o Senhor e a liturgia nos convida a preparar-lhe o caminho.
Ele entrou na história há dois mil anos, e hoje quer entrar na nossa vida. Mas em nós o caminho é repleto de obstáculos. Precisamos aplainar os morros, remover as rochas. Quais são os obstáculos que podem impedir a vinda de Jesus?
São todos os desejos em desacordo com a vontade de Deus que surgem na nossa alma, os apegos que a angustiam; o mínimo desejo de falar ou de calar, quando se deveria agir de outra forma; desejo de auto-afirmação, de estima, de afeto; desejo de bens, de saúde, de vida… num momento em que não é essa a vontade de Deus; desejos maldosos, de rebelião, de julgamento, de vingança…
São coisas que surgem na nossa alma e que a invadem inteiramente. É preciso abafar esses desejos com decisão, tirar esses obstáculos, recolocar-nos na vontade de Deus e assim preparar o caminho do Senhor.

«Como o Senhor vos perdoou, fazei assim também vós.»

Paulo dirige essas palavras aos cristãos de sua comunidade, uma vez que eles, tendo experimentado o perdão de Deus, são capazes, por sua vez, de perdoar aqueles que cometem injustiças contra eles. Paulo sabe que eles adquiriram uma capacidade especial de superar os limites naturais do amor, até o ponto de dar a vida inclusive pelos inimigos. Transformados em pessoas novas por Jesus e pela vida do Evangelho, eles encontram a força para ir além da consideração sobre quem está certo e quem está errado, e para buscar a unidade com todos. 
Mas no fundo de todo coração humano bate o amor e todos podem atuar essa Palavra.
A sabedoria africana assim se exprime: “Faze como a palmeira: atiram-lhe pedras e ela deixa cair suas tâmaras”.
Portanto, não é suficiente apenas deixar de revidar uma injustiça, uma ofensa… Somos convidados a muito mais: a fazer o bem a quem nos faz o mal, como nos lembram os apóstolos: “Não pagueis o mal com o mal, nem ofensa com ofensa. Ao contrário, abençoai”; “Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal pelo bem”.

«Como o Senhor vos perdoou, fazei assim também vós.»

Como podemos viver esta Palavra?
Todos nós podemos ter, na vida de cada dia, algum parente, um colega de estudo ou de trabalho, ou algum amigo que nos tenha feito uma injustiça, algum mal sem razão… Talvez nem tenhamos sonhado com a idéia de vingança, mas no coração pode ter ficado um sentimento de rancor, de hostilidade, de amargura ou só de indiferença, que impede um relacionamento autêntico de comunhão.
Então, o que fazer?
Já de manhã, levantemo-nos com uma “anistia” completa no coração, com aquele amor que cobre tudo, que sabe acolher o outro assim como ele é, com suas limitações, suas dificuldades, tal como faz a mãe quando o filho erra: sempre desculpa, sempre perdoa, sempre espera nele…
Aproximemo-nos de cada pessoa vendo-a com olhos novos, como se ela nunca tivesse caído naqueles erros.
Recomecemos vez por vez, sabendo que Deus não só perdoa, mas esquece: é esta a medida que Ele espera também de nós.
Foi o que aconteceu com um amigo nosso de um país em guerra, que presenciou o massacre dos seus pais, do irmão e de vários amigos. O sofrimento o faz afundar na rebelião, a ponto de desejar para os carrascos um castigo tremendo, proporcional à culpa deles.
No entanto, a todo momento lhe vêm à mente as palavras de Jesus sobre a necessidade do perdão; mas lhe parece impossível vivê-las. “Como posso amar os inimigos?” – pergunta-se ele. E precisa de vários meses e de muita oração antes de começar a encontrar um pouco de paz.
Mas quando, um ano depois, vem a saber que os assassinos não somente são conhecidos por todos, mas circulam livremente pelo país, o rancor volta a martirizar seu coração e ele começa a pensar qual seria sua atitude caso encontrasse aqueles seus “inimigos”. Implora a Deus que aplaque a sua ira e que mais uma vez o torne capaz de perdoar.
Ele mesmo conta: “Ajudado pelo exemplo dos irmãos com os quais procuro viver o Evangelho, compreendo que Deus me pede que eu não alimente aquela idéia absurda, mas que me concentre em amar as pessoas que no momento estão próximas, os colegas, os amigos… No amor concreto para com eles, aos poucos, encontro a força de perdoar de verdade os assassinos da minha família. Hoje eu sinto realmente a paz no coração”.

Chiara Lubich

 

Novembro de 2006

Trevas e luz! É uma oposição eloqüente, conhecida em todas as culturas e em todas as religiões. A luz simboliza a vida, o bem, a perfeição, a felicidade, a imortalidade. As trevas evocam o frio, o negativo, o mal, o medo, a morte.
O apóstolo Paulo lembra aos fiéis de Roma que o cristão não tem mais nada a ver com o passado “tenebroso”, feito de impureza, injustiça, iniqüidade, avareza, malvadez, inveja, rixa, astúcia, perversidade…

«Abandonemos as obras das trevas…»

Quais são as “obras das trevas”? No dizer de Paulo são: glutonerias e bebedeiras, orgias e imoralidades, contendas, rivalidades. Mas também esquecimento de Deus, traição, furto, homicídio, soberba, ira, desprezo dos outros; e ainda: materialismo, consumismo, hedonismo, vaidade. 
É também obra das trevas a facilidade com que freqüentemente acompanhamos qualquer programa de televisão ou navegamos na Internet, com que lemos certas revistas ou vemos certos filmes ou ostentamos certas modas.
No momento do batismo, por intermédio dos nossos padrinhos, prometemos morrer com Cristo para o pecado, quando, por três vezes, afirmamos querer renunciar ao demônio e às suas seduções. Hoje ninguém gosta de falar do demônio. Prefere-se esquecê-lo e dizer que ele não existe. Mas na verdade ele existe e é ele quem alimenta continuamente as guerras, chacinas, violências de todo tipo.
“Abandonemos…” É um gesto violento, que custa, que exige coerência, decisão, coragem, mas que é necessário, se quisermos viver no mundo da luz. De fato, a Palavra de Vida continua:

«Abandonemos as obras das trevas…»

Ou seja: não é suficiente renunciar, “despojar-se” do mal; é preciso “vestir as armas da luz”, ou seja, como explica Paulo mais adiante, “revestir-se do Senhor Jesus Cristo”, deixando que seja Ele a viver em nós. Também o apóstolo Pedro convida a “armar-se” com os mesmos sentimentos de Jesus.
Sem dúvida, são imagens fortes. Porque deixar viver Cristo em nós, como sabemos, não é fácil: significa espelhar em nós os mesmos sentimentos dele, ter o seu modo de pensar, de agir; significa amar como Ele amou; e o amor é exigente, pede luta contínua contra o egoísmo que existe dentro de nós.
Mas não há outro caminho para chegar à luz, como recorda, com clareza, a primeira carta de João: “O que ama o seu irmão permanece na luz e não corre perigo de tropeçar. Mas o que odeia o seu irmão está nas trevas, caminha nas trevas, e não sabe aonde vai, porque as trevas ofuscaram os seus olhos”.

«Abandonemos as obras das trevas…»

Esta Palavra de Vida é um convite à conversão, a passar continuamente do mundo das trevas ao mundo da luz. Então, vamos repetir o nosso “não” a Satanás e a todas as suas seduções, e redeclarar o nosso “sim” a Deus, do mesmo modo como o pronunciamos no dia do nosso batismo.
Não se trata de ter que realizar grandes feitos. Basta que aquilo que já fazemos seja animado e sugerido pelo amor verdadeiro.
Desta forma estaremos colaborando para irradiar ao nosso redor uma cultura da luz, do positivo, das bem-aventuranças. Estaremos construindo o Paraíso já desde esta terra, para possuí-lo eternamente no Céu. Sim, porque o Paraíso é uma realidade. E o que Jesus nos prometeu foi justamente o Paraíso. Ele é como uma casa que se constrói agora para habitá-la depois, e será uma dádiva de Jesus: alegria plena, harmonia, beleza, dança, felicidade sem fim, porque o Paraíso é o amor.
É o que testemunha a experiência vivida por Mary, do Peru. Mãe de três filhas ainda pequenas. Quando conhece a Palavra de Vida, encontra Deus, encontra a luz. Ela se deixa envolver completamente e na sua vida acontece uma reviravolta radical.
Pouco tempo depois lhe é diagnosticada uma doença grave. Quando é hospitalizada descobre que lhe resta pouco mais de um mês de vida. A nova confidência com Jesus, que agora experimenta, lhe dá a força de pedir-lhe, em oração, mais cinco anos de vida para consolidar a sua conversão e para ajudar a transformar a vida também ao seu redor.
Sem que os médicos saibam explicar como, a sua saúde melhora e Mary recebe alta do hospital. Volta para casa, prepara-se com o seu companheiro para o casamento, que é celebrado na Igreja, e pede o batismo para as filhas.
Depois de cinco anos, o mal reaparece de repente e, no breve espaço de duas semanas, a sua vida terrena se conclui.
Antes de morrer, ela consegue resolver até as menores coisas para o futuro das filhas e a comunicar esperança ao seu esposo. “Agora vou encontrar-me com o Pai, que me espera. Tudo foi maravilhoso. Ele me deu os cinco anos mais belos da minha vida, desde que eu o conheci na sua Palavra que dá a Vida!”.

 

Outubro de 2004

Foi angustiada, essa oração dos discípulos. Também eles vacilaram. Quantas vezes no Evangelho Jesus os repreende pela falta de fé!. Até Pedro, a “pedra” sobre a qual Jesus haveria de construir a sua Igreja, foi criticado como “homem fraco de fé”. Jesus teve de rezar por ele para que nele a fé não desfalecesse.
O pedido para que Jesus aumente a nossa fé é, na realidade, uma súplica de todos os cristãos, porque a fé pode sofrer altos e baixos na vida de cada um de nós. Até mesmo santa Teresinha do Menino Jesus foi assaltada pela “provação contra a fé” nos seus últimos dezoito meses de vida, apesar de ter vivido um relacionamento filial muito profundo com Deus: era como se um muro se levantasse até o céu, diz ela mesma, e cobrisse as estrelas.

«Aumenta a nossa fé!»

O fato é que nós, mesmo sabendo que Deus é Amor, freqüentemente vivemos como se estivéssemos sós na terra, como se não existisse um Pai que nos ama e nos acompanha; um Pai que sabe tudo de nós; que conta até mesmo os cabelos de nossa cabeça!; que faz concorrer tudo para o nosso bem, tanto o que fazemos de bom quanto as provações pelas quais passamos. 
Deveríamos poder repetir como nossas as palavras do evangelista João: “… nós acreditamos no amor.
Com efeito, acreditar significa sentir-se olhado e amado por Deus. É saber que Deus observa cada oração nossa, cada palavra, cada gesto, cada acontecimento triste, alegre ou indiferente, cada doença, tudo, tudo, tudo, desde as coisas que consideramos importantes até as mínimas ações, pensamentos ou sentimentos.
E se Deus é Amor, a conseqüência lógica só pode ser a confiança completa nele. Então podemos ter aquela relação de confidência que nos leva muitas vezes a falar com Ele, a expor-lhe as nossas coisas, os nossos propósitos, os nossos projetos. Cada um de nós pode abandonar-se ao seu amor, na certeza de ser compreendido, confortado, ajudado.

«Aumenta a nossa fé!»

Diante desta oração dos discípulos, Jesus responde: “Se tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria”.
“… como um grão…”: Jesus não exige uma fé maior ou menor; Ele quer que a fé seja autêntica, fundada nele: é dele que se deve esperar tudo, sem basear-se unicamente nas próprias capacidades.
Se é verdade que acreditamos, e acreditamos num Deus que nos ama, toda impossibilidade pode ser anulada. Podemos acreditar que a indiferença e o egoísmo, que muitas vezes nos cercam e que se aninham também em nosso coração, serão “arrancados pela raiz”; que situações de desunião familiar serão solucionadas; que o nosso mundo se encaminhará rumo à unidade entre as gerações, entre as categorias sociais, entre os cristãos divididos há séculos; que desabrochará a fraternidade universal entre os fiéis de religiões diferentes, entre as raças e entre os povos… Podemos acreditar também que esta nossa humanidade conseguirá viver em paz. Sim, tudo é possível, se permitirmos a ação de Deus; para Ele, o Todo-Poderoso, nada é impossível.

«Aumenta a nossa fé!»

Como podemos viver esta Palavra de Vida para crescer na fé?
Antes de mais nada com a oração, sobretudo quando somos atingidos pela dificuldade e pela dúvida, pois a fé é um dom de Deus. Podemos pedir-lhe: “Senhor, faze-me permanecer no teu amor. Dá-me de nunca viver um momento sequer sem sentir, sem perceber, sem saber por fé, ou mesmo por experiência, que Tu me amas, que Tu nos amas”.
E depois, amando. E de tanto amar, a nossa fé se tornará cristalina, inabalável. Não só acreditaremos no amor de Deus, como também sentiremos de maneira palpável sua presença no nosso ser, e veremos acontecer “milagres” ao nosso redor.
Foi o que experimentou uma jovem da Grã-Bretanha: “Quando minha mãe me comunicou sua decisão de deixar papai e de mudar para outro apartamento, fiquei transtornada com a notícia, e quase desesperada. Mas não lhe disse nada. Se fosse antes, eu teria procurado fugir da situação ou ficaria trancada no quarto, escutando música… Mas agora, que eu estava decidida em viver o Evangelho, senti que deveria ficar ali, no meio daquele sofrimento, dizendo o meu “sim” à cruz. Para mim, aquela era a ocasião de acreditar no Seu amor, para além das aparências.
Depois, com amor, procurei escutar mamãe enquanto ela desabafava tudo o que tinha para dizer sobre meu pai, deixando de lado a minha opinião. Também procurei um modo de ficar próxima do papai.
Alguns meses mais tarde meus pais já estavam se organizando para reconstruir o relacionamento entre eles. E fiquei tocada por uma frase de mamãe: “Você se lembra de quando lhe falei que ia me separar? A sua reação me fez pensar que eu estava tomando uma decisão errada”.
E eu não tinha dito nada a ela, apenas um “sim” a Jesus, no silêncio, confiante de que Ele iria cuidar de tudo”.

Chiara Lubich

 

Setembro 2004

Um pedido tão exigente e radical só pode impressionar. E ele não está reservado a uma determinada categoria de pessoas como os missionários, os religiosos, que devem estar desprendidos de tudo para poder anunciar o Evangelho em qualquer lugar. Também não se refere a momentos excepcionais, como poderia ser um tempo de perseguição, quando os discípulos devem estar prontos não somente a deixar os bens, mas a doar até mesmo a vida para permanecerem fiéis a Deus. Jesus dirige essas palavras a todos. Portanto, todos nós podemos vivê-las.
Trata-se de uma das condições para seguir Jesus, condição sobre a qual Lucas insiste no Evangelho: “Vendei vossos bens e dai esmola… Pois onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”; “Ninguém pode servir a dois senhores… Não podeis servir a Deus e ao ‘Dinheiro’”; “Como é difícil para os que possuem riquezas entrar no Reino de Deus”.

«Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!»

Por que Jesus insiste tanto no desapego dos bens, chegando a fazer disso uma condição indispensável para poder segui-lo? 
Porque a primeira riqueza da nossa existência, o verdadeiro tesouro, é Ele! Daí, então, o convite para colocar de lado todos aqueles ídolos – “tudo o que tem” – que podem tomar o lugar de Deus em nós.
Ele nos quer livres, com a alma desprendida, sem qualquer tipo de apego e preocupação, portanto capazes de amá-lo realmente com todo o coração, a mente e as forças. Os bens são necessários para viver, mas devem ser usados com o máximo desapego. Devemos estar prontos a afastar qualquer coisa que venha a ocupar o primeiro lugar no nosso coração. Para quem segue Jesus, não há espaço para a cobiça, para o prazer das riquezas, para a busca exagerada do conforto e da segurança.
Quando ele nos pede a renúncia aos bens, é também porque deseja a nossa abertura aos outros, que saibamos acolher e amar o próximo como a nós mesmos: é em favor dele que renunciamos aos nossos bens. No discípulo de Jesus não existe lugar para a avareza e para o fechamento diante do pobre.

«Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!»

Como, então, podemos viver essa Palavra de Vida?
O modo mais simples de “renunciar” é “doar”.
Doar a Deus, amando-o, oferecendo-lhe a nossa vida para que disponha dela como quiser, estando prontos a fazer sempre a sua vontade.
E para demonstrar-lhe esse amor, amemos os nossos irmãos e irmãs, dispostos a arriscar tudo por eles. Mesmo que não pareça, temos muitas riquezas a pôr em comum: temos afeto no coração a dar, cordialidade a externar, alegria a comunicar; temos tempo que pode ser colocado à disposição; orações, riquezas interiores que podemos colocar em comum; às vezes temos objetos, livros, roupas, um carro a emprestar, dinheiro… Doemos sem pensar demais: “Mas essa coisa me pode servir nessa ou naquela ocasião…”. Sim, tudo pode ser útil, mas enquanto isso, se nós cedermos a estas sugestões, irão se infiltrando no nosso coração muitos apegos e aparecendo cada vez mais novas exigências. Não! Procuremos ter somente o necessário. Fiquemos atentos para não perder Jesus por causa de uma quantia acumulada, por causa de alguma coisa da qual podemos abrir mão.

«Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!»

Para um “tudo” que se perde, existe um “tudo” que se encontra, infinitamente mais precioso. Acreditemos: quem ganhará com isso seremos justamente nós, porque, em lugar do pouco ou do muito que tivermos doado, teremos em troca a plenitude da alegria e da comunhão com Deus. E nos tornaremos discípulos verdadeiros.
Pois se um copo d’água doado terá a sua recompensa, qual recompensa não terá aquele que doa tudo o que pode, por Deus no irmão e na irmã?
Isso é confirmado por um dos muitos fatos que me são comunicados constantemente por aqueles que vivem conosco a Palavra de Vida.
Um pai de família, de Caracas, na Venezuela, fica desempregado. Depois de duas semanas adoece gravemente. Naqueles mesmos dias roubam o seu carro. Para ele e para a sua família é um momento muito difícil. Logo ele percebe que devem deixar o apartamento, porque não pode mais pagar o aluguel.
Nesse meio tempo, um amigo deles, de poucos recursos, sente interiormente o impulso de responder de modo mais radical ao amor de Deus e de viver a Palavra conforme o exemplo dos primeiros cristãos, que colocavam tudo em comum.
Na mesma noite, confiando esse desejo à esposa, decide, junto com ela, ceder uma parte da própria casa àquela família. O fato de também eles não terem recursos não podia ser um motivo para deixarem os outros na rua. Porém a casa ainda não está acabada…
No dia seguinte, inesperadamente, chega a quantia de dinheiro necessária para terminar o que faltava na construção da casa.

Chiara Lubich

 

Agosto de 2004

Várias vezes, Jesus comparou o Paraíso a uma festa de casamento, a uma reunião de família à volta da mesa. De facto, na nossa experiência humana, são estes os melhores momentos e os mais serenos. Mas quantos entrarão no Paraíso, quantos se sentarão na “sala do banquete”?
É a pergunta que, um dia, alguém dirige a Jesus: “Senhor, são poucos os que se salvam?”. Como já tinha feito outras vezes, Jesus vai para além da discussão e coloca cada um diante da decisão que deve tomar. Convida-o a entrar na casa de Deus.
Mas isso não é fácil. A porta para entrar é estreita e fica aberta por pouco tempo. Na verdade, para seguir Jesus é necessário renegar-se, renunciar – pelo menos espiritualmente – a si mesmo, às coisas, às pessoas. Mais ainda: é preciso pegar na cruz, como Ele fez. Um caminho difícil, sem dúvida, mas que todos – com a graça de Deus – podem percorrer.

«Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir»

É mais fácil entrar pela “porta larga” e pelo “caminho espaçoso”, de que Jesus fala noutro lugar, mas esse caminho pode conduzir à “perdição”. Neste nosso mundo secularizado, saturado de materialismo, de consumismo, de hedonismo, de vaidades, de violência, tudo parece ser permitido. Tende-se a satisfazer todas as exigências, a ceder a todos os compromissos para atingir a felicidade.
Mas nós sabemos que só se obtém a verdadeira felicidade amando. E também que a renúncia é a condição necessária para o amor. É preciso sermos podados para dar bons frutos. É preciso morrermos a nós mesmos para viver. É a lei de Jesus, um Seu paradoxo. A mentalidade corrente invade-nos como a enchente de um rio e nós devemos ir contra a corrente: saber renunciar, por exemplo, à avidez de possuir, à rivalidade preconcebida, à difamação do adversário. Mas também realizar o nosso trabalho com honestidade e generosidade, sem lesar os interesses dos outros. Saber discernir aquilo que se pode ver na televisão ou aquilo que se pode ler, etc.

«Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir»

Para quem se deixa levar por uma vida fácil e não tem a coragem de enfrentar o caminho proposto por Jesus, abre-se um futuro triste. Também isto é mencionado no Evangelho. Jesus fala-nos do sofrimento daqueles que serão deixados de fora. Não bastará vangloriarmo-nos de pertencer a uma certa religião ou contentarmo-nos com um cristianismo de tradição. É inútil dizermos: “Comemos e bebemos contigo…”. A salvação é, antes de mais, uma dádiva de Deus, mas que cada um deve conquistar com esforço.
Será duro ouvir dizer: “(Não vos conheço), não sei de onde sois”. Será solidão, desespero, absoluta falta de relacionamentos, o desgosto enorme de ter tido a possibilidade de amar e de já não poder amar. Um tormento do qual não se vê o fim porque nunca terá fim: “pranto e ranger de dentes”.
Jesus avisa-nos porque deseja o nosso bem. Não é Ele que fecha a porta. Somos nós que nos fechamos ao Seu amor. Ele respeita a nossa liberdade.

«Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir»

Se a porta larga conduz à perdição, a porta estreita abre-se de par em par à verdadeira felicidade. Depois de cada Inverno desponta a Primavera. Sim, devemos viver com prontidão a renúncia que o Evangelho exige, pegar todos os dias na nossa cruz. Se soubermos sofrer com amor, em unidade com Jesus que assumiu todas as nossas dores, experimentaremos um paraíso antecipado.
Foi assim também para Roberto, quando esteve na última audiência do processo contra quem  tinha causado a morte do pai, quatro anos antes. Depois da sentença de condenação, o autor do atropelamento, juntamente com a mulher e o pai, mostrava-se muito deprimido. “Gostaria de me aproximar daquele homem, vencendo o orgulho que me dizia que não; fazer-lhe sentir que estava com ele”.
Mas a irmã disse-lhe: “São eles que nos devem pedir desculpa…”. Roberto convence-a e, juntos, vão ter com a família “adversária”: “Se isto puder aliviar o vosso espírito, saibam que não temos nenhum rancor para convosco”. Apertam as mãos uns dos outros com força. “Sinto-me invadido pela felicidade: soube aproveitar a ocasião para olhar para o sofrimento dos outros, esquecendo o meu”.

Chiara Lubich