Movimento dos Focolares

Julho de 2003

Numa árvore nós admiramos sua ramagem e suas flores, e esperamos pelos seus frutos; mas também existem as raízes, das quais a árvore recebe a vida. O mesmo acontece com cada um de nós. Somos chamados a doar, a amar, a servir, a criar relacionamentos fraternos, a trabalhar para construir um mundo mais justo; mas para isso são necessárias as raízes, ou seja, a vida interior da união com Deus, a nossa relação pessoal de amor com ele, relação que motiva e alimenta a vida de comunhão fraterna e o engajamento social.
Também é verdade que o amor aos outros, por sua vez, alimenta o amor a Deus e o torna mais vivo e concreto, da mesma forma como é verdade que a luz e o calor, por meio das folhas, fortalecem as raízes. Amor a Deus e amor ao próximo são expressões de um único amor. Vida íntima e vida externa são as raízes uma da outra.
Mas a Palavra de Vida escolhida para este mês nos convida a cultivar com dedicação especial a vida íntima, sobretudo por meio do recolhimento, da solidão, do silêncio, de modo a crescermos em profundidade no relacionamento pessoal com Deus. Também a nós Jesus repete aquilo que um dia ele disse aos seus discípulos, quando os viu exaustos devido à intensa doação aos outros:

«Vinde, a sós, para um lugar deserto, e descansai um pouco!»

O próprio Jesus, vez por outra, se afastava das suas muitas ocupações. Havia doentes para curar, multidões para instruir e saciar, pecadores para converter, pobres para ajudar e consolar, discípulos para orientar… E, no entanto, embora todos o procurassem, ele sabia retirar-se sobre o monte, fora do povoado, para ficar a sós com o Pai. Era como se ele voltasse para o seu lar. Nesse diálogo pessoal e silencioso Jesus encontrava as palavras que depois diria ao seu povo, compreendia melhor a sua missão, recuperava as forças para enfrentar o novo dia. É isso que ele quer que também nós façamos:

«Vinde, a sós, para um lugar deserto, e descansai um pouco!»

Não é fácil parar. Às vezes somos envolvidos pelo redemoinho do trabalho e das atividades, como numa roda-viva da qual perdemos o controle. A sociedade muitas vezes nos impõe um ritmo de vida frenético: produzir cada vez mais, progredir na carreira, distinguir-se… Não é fácil enfrentar a solidão e o silêncio fora e dentro de nós; no entanto, estas são condições necessárias para escutar a voz de Deus, para confrontar a nossa vida com a sua Palavra, para cultivar e aprofundar o relacionamento de amor com ele. Sem essa seiva interior, nós arriscamos “ficar patinando” e a nossa excessiva labuta pode permanecer sem frutos.
Daí a necessidade de períodos, ainda que breves, de repouso físico e mental, inclusive para evitar o estresse. Às vezes teremos a impressão de estar perdendo tempo; no entanto, também quanto a isso devemos confiar no convite de Jesus:

«Vinde, a sós, para um lugar deserto, e descansai um pouco!»

Jesus levou consigo os discípulos para que ficassem a sós com ele e nele encontrassem repouso: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e carregados de fardos, e eu vos darei descanso (…) e encontrareis descanso para vós”. O melhor repouso é gastar tempo para “estar” com Jesus, viver na graça, no amor, deixando-se modelar e orientar pela sua Palavra. Sobretudo antes da oração – momento privilegiado do “estar com ele” – convém desligar-se de tudo, repousar um pouco, recolher-se, entrar no segredo e no silêncio do nosso “quarto” interior. Não devemos ficar medindo o tempo da oração. Nela, quanto mais tempo perdermos, tanto mais ganharemos. Será como mergulhar na união com Deus. E encontraremos a paz. Assim poderemos chegar ao diálogo permanente com ele, a um recolhimento constante, inclusive para além do tempo reservado à oração. Essa é a minha experiência de muitos anos.
Um dia, eu escrevi:
“… Senhor!
No coração te guardo,
é o tesouro que deve guiar os meus passos.
Tu, segue-me, vela-me, é teu
o amar: exultar e sofrer.
Ninguém recolha um suspiro.
Oculta em teu sacrário
eu vivo, trabalho para todos.
O toque da minha mão seja teu;
só teu o timbre da minha voz…”
Mesmo quando não conseguimos afastar-nos da algazarra e do turbilhão do mundo que nos rodeia, podemos procurar Deus no fundo do coração; e ele sempre está ali. Às vezes será suficiente dizer, antes de cada atividade ou de um encontro: “Jesus, é por ti”. Também este é um modo de retirar-se um pouco a sós e atribuir um motivo, um timbre sobrenatural a todas as coisas. E oferecer-lhe cada sofrimento, seja ele pequeno ou grande.
A comunhão com Jesus haverá de se aprimorar. Deste modo, também o nosso físico será beneficiado e será possível voltarmos revigorados para a nossa atividade, e amar com um maior entusiasmo.

Chiara Lubich
 

Junho de 2003

São estas as palavras que Jesus ressuscitado dirige aos apóstolos antes de subir ao Céu. Ele tinha cumprido a missão que o Pai lhe havia confiado: viveu, morreu e ressuscitou para libertar a humanidade do mal, reconciliá-la com Deus, unificá-la numa única família. Agora, antes de voltar ao Pai, confia aos seus apóstolos a missão de continuarem a sua obra e de serem as suas testemunhas no mundo inteiro.
Jesus sabe muito bem que a tarefa é infinitamente superior às capacidades deles; por isso, promete o Espírito Santo. Descendo sobre eles no dia de Pentecostes, o Espírito haveria de transformar os simples e temerosos pescadores da Galiléia em corajosos anunciadores do Evangelho. Nada poderá mais detê-los. E àqueles que os quiserem impedir de testemunhar, eles responderão: “Quanto a nós, não nos podemos calar sobre o que vimos e ouvimos”.
Por meio dos apóstolos, Jesus confia à Igreja inteira a missão de testemunhar. É essa a experiência da primeira comunidade cristã de Jerusalém que, vivendo “com alegria e simplicidade de coração”, cada dia atraía novos membros. É essa a experiência dos membros da primeira comunidade do apóstolo João, que anunciavam o que tinham ouvido, o que tinham visto com os próprios olhos, o que tinham contemplado e aquilo que suas mãos tinham apalpado, ou seja, a Palavra da Vida…
Com os sacramentos do batismo e da crisma também nós recebemos o Espírito Santo, que nos estimula a testemunhar e anunciar o Evangelho. Também a nós Jesus assegura:

«Recebereis o poder do Espírito Santo que virá sobre vós…»

É ele o dom do Senhor ressuscitado. Ele mora em nós como no próprio templo e nos ilumina e nos guia. É o Espírito da Verdade que faz compreender as palavras de Jesus, que as torna vivas e atuais, que nos encanta pela Sabedoria, que sugere aquilo que devemos dizer e como devemos dizê-lo. É o Espírito de Amor que nos inflama com o seu mesmo amor, que nos torna capazes de amar a Deus com todo o coração, a alma, as forças, e de amar a todos aqueles que encontramos pelo nosso caminho. É o Espírito de fortaleza que nos dá a coragem e a força de sermos coerentes com o Evangelho e de testemunharmos sempre a verdade. Somente com o fogo do amor que Ele infunde nos nossos corações podemos cumprir a grande missão que Jesus nos confia:

«… para serdes minhas testemunhas…»

Como podemos testemunhar Jesus? Vivendo a vida nova que ele trouxe à terra – o amor – e mostrando os frutos dessa vida. Devo seguir o Espírito Santo: quando encontro um irmão ou uma irmã, é Jesus que me torna capaz de “fazer-me um” com ele ou com ela, de servi-lo de modo impecável; que me dá a força de amá-lo se ele for, de algum modo, inimigo; que me enriquece o coração de misericórdia para saber perdoar e ser capaz de compreender as necessidades dele; que me faz comunicar com desvelo, no momento oportuno, as coisas mais belas que me passam na alma…
É o amor de Jesus que se revela e se comunica através do meu amor. Este, de certa forma, é como uma lente que recolhe os raios de sol: aproximando dela uma palha, ela se acende porque, com a concentração dos raios, aumenta a temperatura. Enquanto que a palha colocada diretamente ao sol não pega fogo. O mesmo acontece, às vezes, com as pessoas. Diante da religião parecem continuar indiferentes; mas certas vezes – porque Deus estabeleceu assim – elas se iluminam diante de alguém que participa do amor de Deus, pois este outro funciona como a lente que concentra os raios, inflama e ilumina.
Com este amor de Deus no coração, e por meio dele, pode-se chegar bem longe, comunicando a própria descoberta a muitas e muitas outras pessoas:

«… até os confins da terra.»

Os “confins da terra” não são apenas os limites geográficos. Eles também indicam, por exemplo, pessoas próximas a nós que ainda não tiveram a alegria de conhecer realmente o Evangelho. Até aqui deve estender-se o nosso testemunho.
Além disso, queremos viver a “regra de ouro”, existente em todas as religiões: fazer aos outros aquilo que gostaríamos que fosse feito a nós.
Outra exigência é “nos fazermos um” com cada pessoa, por amor de Jesus – o que supõe o completo esquecimento de si -, até que o outro, suavemente tocado pelo amor de Deus em nós, queira “fazer-se um” conosco, numa troca mútua de auxílios, de ideais, de projetos, de afetos. Somente então poderemos oferecer a palavra, e ela será um dom, na reciprocidade do amor.
Que Deus faça com que nos declaremos por Jesus diante dos homens, para que Jesus se declare por nós no Céu, diante de seu Pai, como Ele mesmo nos prometeu.

Chiara Lubich

 

Maio de 2003

Jesus está para voltar ao Pai. Na sua morte e na sua ressurreição, já iminentes, atua-se a parábola do grão de trigo que, caindo na terra, morre e produz fruto na espiga. Jesus cumpre a sua obra: na cruz ele se doa completamente (o grão de trigo que morre) e com a ressurreição dá vida a uma nova humanidade (a espiga feita de muitos grãos). Mas Jesus quer que a sua obra continue nos discípulos: também eles deverão amar até o ponto de dar a vida e assim gerar a comunidade. Por isso, falando com eles na última Ceia, Jesus os compara a ramos de videira destinados a produzir fruto.
Mas, concretamente, o que fazer para estarmos enxertados na videira? Jesus explica que permanecer nele significa permanecer no seu amor; deixar que as suas palavras vivam em nós; observar os seus mandamentos, sobretudo o “seu” mandamento, o amor mútuo. Naquela última Ceia ele nos deu também o seu corpo e o seu sangue. Ele, em nós e entre nós, continuará a produzir fruto e a cumprir a sua obra. Porém, se recusamos este relacionamento de amor, somos cortados fora.

«Todo ramo que não dá fruto em mim, ele [meu Pai] corta…»

Esta ação drástica do Pai não pode deixar de despertar em nós o temor de Deus. Não podemos abusar do seu amor. Exatamente por ser Amor, Deus é também justo. Se ele corta, é porque constata que o ramo já está morto, que ele se condenou por si mesmo: rejeitou a seiva e não produz mais fruto. Também se pode cair no erro de acreditar que produzir fruto significa cair no ativismo, organizar obras, superestimar a eficiência… e se pode esquecer aquilo que realmente vale: estar unido a Jesus, viver na sua graça, ou ao menos na retidão da própria consciência. Senão, o Pai corta fora o ramo porque, para além das aparências, não há mais vida nele.
Então, não existe mais nenhuma esperança?
A vinha do Senhor é misteriosa e ele também sabe enxertar novamente o ramo cortado: é sempre possível se converter, é sempre possível recomeçar.

«… e todo ramo que dá fruto, ele [meu Pai] limpa, para que dê mais fruto ainda.»

Como posso reconhecer que estou dando fruto ?
A todo aquele que age bem, as provações não podem deixar de se apresentar: elas são as manifestações do amor de Deus, que purifica a nossa ação e faz com que cheguemos a produzir mais fruto, exatamente como acontece na natureza depois da poda. Daí os sofrimentos físicos e espirituais, as doenças, tentações, dúvidas, a sensação de abandono por parte de Deus, as mais diversas situações que falam mais de morte do que de vida. Por quê? Será que é porque Deus quer a morte? Não, muito pelo contrário: Deus ama a vida. Mas essa vida é tão plena, tão fecunda, que nós nem conseguimos imaginá-la – apesar de toda a nossa tendência ao bem, ao positivo, à paz. Justamente para podermos alcançar essa plenitude, ele poda.

“Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não dá fruto em mim, ele corta; e todo ramo que dá fruto, ele limpa, para que dê mais fruto ainda.”

Esta Palavra de Vida nos garante que as provas e as dificuldades nunca são um fim em si mesmas. Elas aparecem para que possamos dar “mais fruto ainda”. E o fruto não é somente a fecundidade apostólica, ou seja, a capacidade de suscitar a fé e de edificar a comunidade cristã. Jesus nos indica também outros frutos. Promete-nos que, se permanecermos no seu amor e suas palavras permanecerem em nós, poderemos pedir tudo o que quisermos e nos será dado; daremos glória ao Pai; teremos a plenitude da alegria.
Vale a pena entregar-se às sábias mãos do Pai e deixar-se trabalhar por ele.

Chiara Lubich

 

Abril de 2003

Jesus está no Horto das Oliveiras, no sítio chamado de Getsêmani. A hora tão esperada chegou. É o momento crucial de toda a sua existência. Ele se prostra por terra e suplica a Deus, chamando-o de “Pai” numa confidência cheia de ternura, para “afastar dele esse cálice” (cf. Mc 14,36), uma expressão que se refere à sua Paixão e morte. Jesus pede ao Pai que aquela hora passe… Mas no final se entrega completamente à vontade de Deus:

«Não o que eu quero, porém o que tu queres.»

Jesus sabe que a sua Paixão não é um acontecimento casual, nem simplesmente uma decisão dos homens, mas um plano de Deus. Ele será processado e rejeitado pelos homens, mas o “cálice” vem das mãos de Deus.
Jesus nos ensina que o Pai tem um próprio plano de amor para cada um de nós, que ele nos ama de amor pessoal e, se acreditarmos nesse amor e correspondermos com o nosso amor – é essa a condição -, ele fará com que tudo seja finalizado para o bem. Para Jesus nada aconteceu por acaso, nem sequer a Paixão e a morte. E depois aconteceu a Ressurreição, cuja festa solene celebramos este mês.
O exemplo de Jesus, o Ressuscitado, deve servir de luz para a nossa vida. Devemos saber interpretar tudo o que vem ao nosso encontro, o que acontece, o que nos rodeia e também tudo o que nos faz sofrer, como vontade de Deus que nos ama, ou como uma permissão de Deus que nos ama também deste modo. Então, tudo na vida terá um sentido, tudo será extremamente útil, mesmo aquilo que, na hora, nos parece incompreensível e absurdo, mesmo aquilo que nos pode fazer precipitar numa angústia mortal, como aconteceu com Jesus. Será suficiente que, junto com ele, saibamos repetir, com um ato de confiança total no amor do Pai:

«Não o que eu quero, porém o que tu queres.»

A sua vontade é que vivamos, que lhe agradeçamos com alegria as dádivas da vida; mas às vezes ela certamente não corresponde àquilo que imaginamos. Por exemplo, uma situação diante da qual temos que nos resignar, sobretudo quando deparamos com a dor; ou uma sucessão de atos monótonos espalhados ao longo da nossa vida.
A vontade de Deus é a sua voz que nos fala e nos convida continuamente; é o modo pelo qual ele nos expressa o seu amor, para nos dar a sua plenitude de Vida.
Poderíamos fazer uma representação disso com a imagem do Sol, cujos raios seriam a sua vontade para cada um de nós. Cada pessoa caminha ao longo de um raio, diferente do raio de quem está ao seu lado, mas sempre sobre um raio de sol, ou seja, na vontade de Deus. Portanto, todos nós fazemos uma única vontade, a de Deus, mas ela é diferente para cada um. Os raios, quanto mais se aproximam do Sol, mais se aproximam entre si. Também nós, quanto mais nos aproximamos de Deus, pela observância sempre mais perfeita da vontade divina, mais nos aproximamos entre nós… até sermos todos um.
Vivendo assim, tudo na nossa vida pode mudar. Em vez de procurarmos aqueles dos quais gostamos e amar somente a eles, podemos ir ao encontro de todos aqueles que a vontade de Deus coloca ao nosso lado. Em vez de preferir as coisas que mais nos agradam, podemos nos dedicar àquelas que a vontade Deus nos sugere e preferi-las. Se estivermos inteiramente projetados na vontade divina daquele momento (“o que tu queres”), seremos por conseqüência levados ao desapego de todas as coisas e do nosso eu (“não o que eu quero”). Esse desapego não é tanto resultado de uma busca proposital, porque se deve buscar só a Deus; mas o desapego acontece de fato. Então a alegria será completa. Basta mergulharmos no momento que passa e cumprir naquele instante a vontade de Deus, repetindo:

«Não o que eu quero, porém o que tu queres.»

O momento que passou não existe mais; o momento futuro ainda não está em nosso poder. Acontece como a um passageiro no trem: para chegar ao destino, ele não anda para frente e para trás, mas fica sentado no seu lugar. Assim, também nós devemos ficar parados no presente. O trem do tempo viaja por si. E nós podemos amar a Deus somente no presente que nos é dado, pronunciando o próprio “sim” fortíssimo, radical, ativíssimo à vontade dele.
Portanto, vamos amar aquele sorriso que devemos doar, aquele trabalho a ser executado, aquele carro a ser guiado, aquela refeição que devemos preparar, aquela atividade a organizar, aquela pessoa que sofre ao nosso lado.
Nem sequer a provação ou o sofrimento nos devem assustar se, com Jesus, soubermos reconhecer neles a vontade de Deus, ou seja, o seu amor para cada um de nós. Poderemos até mesmo rezar assim:
“Senhor, faze que eu nada tenha a temer, porque tudo aquilo que vai acontecer será a tua vontade e nada mais! Senhor, faze que eu não tenha outro desejo, porque nada é mais desejável do que a tua vontade exclusiva. O que importa na vida? Importa a tua vontade. Faze que eu não me assuste com nada, porque tudo é a tua vontade. Faze que eu não me exalte com nada, porque tudo é tua vontade.”

Chiara Lubich

 

Março de 2003

Jesus falava do Reino de Deus às multidões que acorriam. Fazia isto com palavras simples, com parábolas tiradas do dia-a-dia. E, no entanto, o seu falar exercia um fascínio especial. O povo se encantava com o seu ensinamento, porque ele ensinava como quem tem autoridade, não como os escribas. Inclusive os guardas enviados para prendê-lo, ao serem questionados pelos sumos sacerdotes e pelos fariseus por que não tinham cumprido ordens, responderam: “Ninguém jamais falou como este homem”.
O Evangelho de João nos apresenta também luminosos diálogos individuais, com pessoas como Nicodemos ou a samaritana. Com os seus apóstolos Jesus vai ainda mais em profundidade: fala abertamente do Pai e das coisas do Céu, sem recorrer mais a figuras; eles se sentem conquistados, e não voltam atrás nem mesmo quando não compreendem completamente as suas palavras, ou quando elas parecem ser exigentes demais.
“Esta palavra é dura”, responderam-lhe alguns discípulos quando o ouviram dizer que lhes daria o seu corpo para comer e o seu sangue para beber.
Jesus, vendo que os discípulos se retiravam e não iam mais com ele, dirigiu-se aos doze Apóstolos: “Vós também quereis ir embora?” .
Pedro, que já se sentia vinculado a Jesus para sempre, fascinado pelas palavras que tinha ouvido pronunciar por ele desde o dia em que o encontrara, respondeu em nome de todos:

«A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.»

Pedro tinha entendido que as palavras do seu Mestre eram diferentes das palavras dos outros mestres. As palavras que vão da terra para a terra pertencem à terra e têm o destino da terra. As palavras de Jesus são espírito e vida porque vêm do Céu. Elas são uma luz que desce do Alto e tem a potência do Alto. As suas palavras possuem uma densidade e uma profundidade que as outras palavras não têm, sejam elas de filósofos, de políticos, de poetas. São “palavras de vida eterna” porque contêm, expressam e transmitem a plenitude daquela vida que não tem fim, porque é a própria vida de Deus.
Jesus ressuscitou e vive. E as suas palavras, embora pronunciadas no passado, não são uma simples recordação, mas são palavras que ele dirige hoje a todos nós e a cada pessoa de todos os tempos e de todas as culturas. São palavras universais, eternas.
As palavras de Jesus! Devem ter sido a sua maior arte, se assim podemos dizer. O Verbo, falando com palavras humanas: que conteúdo, que intensidade, que inflexão, que voz!
“Um dia – conta-nos, por exemplo, Basílio Magno -, como que despertando de um longo sono, olhei a luz maravilhosa da verdade do Evangelho e descobri a vaidade da sabedoria dos príncipes deste mundo.”
Teresinha do Menino Jesus escreve, numa carta de 9 de maio de 1897: “Às vezes, quando leio certos tratados espirituais… o meu pobre e pequeno espírito não demora em se cansar. Fecho o livro dos sábios, que despedaça a minha cabeça e resseca o meu coração, e tomo em mãos a Sagrada Escritura. Então, tudo se torna luminoso para mim; uma só palavra descortina horizontes infinitos à minha alma e a perfeição me parece fácil”.
Sim, as palavras divinas saciam o espírito, feito para o infinito; iluminam interiormente não só a mente mas todo o ser, porque são luz, amor e vida. Elas dão a paz – aquela que Jesus define sua: “a minha paz” – inclusive nos momentos de inquietação e de angústia. Dão alegria plena, mesmo em meio à dor que por vezes atormenta a alma. Dão força sobretudo quando sobrevém a perplexidade e quando nos desencorajamos. Libertam porque abrem o caminho da Verdade.

«A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.»

A frase deste mês nos lembra que o único Mestre que queremos seguir é Jesus, mesmo quando as suas palavras podem parecer duras ou exigentes demais: ser honesto no trabalho; perdoar; preferir colocar-se a serviço do outro em vez de pensar de modo egoísta em si mesmo; permanecer fiel na vida familiar; assistir um doente terminal sem ceder à idéia da eutanásia…
São muitos os mestres que nos propõem soluções fáceis, concessões. Queremos escutar o único Mestre e segui-lo, a ele, o único que diz a verdade, que tem “palavras de vida eterna”. Assim também nós poderemos repetir essas palavras de Pedro.
Neste período de Quaresma, em que nos preparamos para a grande festa da Ressurreição, devemos colocar-nos efetivamente na escola do único Mestre e tornar-nos seus discípulos. Também em nós deve nascer um amor apaixonado pela palavra de Deus. Vamos acolhê-la com atenção, quando ela é proclamada nas igrejas; vamos ler a Palavra, estudá-la, meditá-la…
Mas nós somos chamados sobretudo a vivê-la, de acordo com o ensinamento da própria Escritura: “Todavia, sede praticantes da Palavra, e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos”. É por isso que nós, a cada mês, consideramos uma Palavra em especial, deixando que ela nos penetre, nos modele, “seja ela a nos viver”. Vivendo uma palavra de Jesus, vivemos todo o Evangelho, porque em cada uma de suas palavras ele se doa inteiramente, é ele mesmo que vem viver em nós. É como se uma gota de sabedoria divina d'Ele, do Ressuscitado, lentamente fosse escavando-nos por dentro e substituindo o nosso modo de pensar, de querer, de agir em todas as circunstâncias da vida.
 
Chiara Lubich

 

Fevereiro de 2003

O salmo que traz esta Palavra de Vida nos lembra que nós somos o povo de Deus e que ele quer nos conduzir, do mesmo modo como um pastor conduz o seu rebanho, para introduzir-nos na terra prometida. Ele, que pensou em nós desde toda a eternidade, sabe como devemos caminhar para viver em plenitude, para atingirmos o nosso verdadeiro ser. No seu amor, ele nos sugere o que devemos fazer e o que não devemos fazer, e nos indica o caminho a ser percorrido.
Deus nos fala como a amigos porque quer introduzir-nos na comunhão consigo. Se alguém ouve a sua voz – diz o salmo na sua conclusão – entrará no repouso de Deus, ou seja, na terra prometida, na alegria do Paraíso.
Também Jesus se compara a um pastor que conduz cada um de nós à plenitude da vida. Ele fala e os seus discípulos, que o conhecem, escutam a sua voz e o seguem. A eles Jesus promete a vida eterna.
Deus faz ouvir a sua voz a cada pessoa. Quem nos lembra isso é o Concílio Vaticano II: “Na intimidade da consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar, a fazer o bem e a evitar o mal, no momento oportuno a voz desta lei lhe soa nos ouvidos do coração: faça isto, evite aquilo. De fato, o homem tem uma lei escrita por Deus em seu coração (…)”.
E quando Deus fala ao nosso coração, o que é que devemos fazer? Devemos simplesmente dar ouvidos à sua Palavra, bem sabendo que, na linguagem bíblica, escutar significa aderir inteiramente, obedecer, adequar-se àquilo que é dito. É como deixar-se tomar pela mão e ser conduzido por Deus. Podemos confiar nele, como uma criança que se abandona à mãe e se deixa carregar nos seus braços. O cristão é uma pessoa guiada pelo Espírito Santo.

«Quem dera que hoje ouvísseis sua voz.»

Logo depois dessas palavras, o salmo continua: “Não endureçais vossos corações”. Também Jesus falou muitas vezes da dureza do coração. É possível opor resistência a Deus, é possível fechar-se a ele e recusar-se a ouvir a sua voz. O coração duro não se deixa modelar.
Às vezes nem sequer se trata de má vontade. O fato é que é difícil distinguir “aquela voz” no meio de tantas outras vozes que ressoam dentro de nós. Muitas vezes o coração está poluído por um excesso de ruídos ensurdecedores: são as inclinações desordenadas que conduzem ao pecado, a mentalidade deste mundo que se opõe ao projeto de Deus, as modas, os slogans publicitários… Bem sabemos o quanto é fácil confundir as próprias opiniões, os próprios desejos com a voz do Espírito em nós e, portanto, como é fácil cair no arbítrio e na subjetividade.
Não devo esquecer jamais que a Realidade está dentro de mim. Devo fazer calar tudo em mim para descobrir a voz de Deus. E é preciso extrair esta voz, do mesmo modo como se tira um diamante do lodo: limpá-la, colocá-la em luz e deixar-se conduzir por ela. Então poderei servir de guia também para outros, porque essa voz sutil de Deus, que incentiva e ilumina, essa seiva que sobe do fundo da alma é sabedoria, é amor; e o amor deve ser doado.

«Quem dera que hoje ouvísseis sua voz.»

Como podemos afinar nossa sensibilidade sobrenatural e nossa intuição evangélica para sermos capazes de colher as sugestões daquela voz?
Antes de mais nada temos que nos reevangelizar constantemente, freqüentando a Palavra de Deus, lendo, meditando, vivendo o Evangelho, de modo a adquirir sempre mais uma mentalidade evangélica. Aprenderemos a reconhecer a voz de Deus dentro de nós na medida em que aprendermos a conhecê-la nos lábios de Jesus: ele é a Palavra de Deus que se tornou homem. É uma coisa que podemos pedir na oração.
Depois, devemos deixar o Ressuscitado viver em nós, renegando a nós mesmos, declarando guerra ao egoísmo, ao “homem velho”, que está sempre à espreita. Isso exige uma grande prontidão em dizer “não” a tudo aquilo que é contra a vontade de Deus e “sim” a todo o seu querer; “não” a nós mesmos no momento da tentação, rompendo com as suas insinuações, e “sim” às tarefas que Deus nos confiou, “sim” ao amor para com todos os próximos, “sim” às provações e às dificuldades que encontrarmos.
Enfim, podemos colher com mais facilidade a voz de Deus se tivermos o Ressuscitado em nosso meio, ou seja, se amarmos até o ponto de o amor se tornar mútuo, criando em todo lugar verdadeiros oásis de comunhão, de fraternidade. Jesus no nosso meio é como que o alto-falante que amplifica a voz de Deus dentro de cada um de nós, permitindo-nos ouvi-la mais distintamente. Também o apóstolo Paulo ensina que o amor cristão vivido na comunidade se enriquece cada vez mais em conhecimento e em todo tipo de discernimento, ajudando-nos a distinguir sempre a melhor opção.
Então a nossa vida estará como que entre duas chamas, duas labaredas: Deus em nós e Deus entre nós. Nesta fornalha divina nós nos formamos e adestramos na arte de ouvir e seguir Jesus.
É bela uma vida guiada o mais possível pelo Espírito Santo. Ela tem sabor, tem vigor, é instigante, é autêntica e luminosa.

Chiara Lubich