Movimento dos Focolares

Janeiro de 2003

Os cristãos de Corinto faziam a comparação entre o apóstolo Paulo e outros pregadores contemporâneos que falavam com maior eloqüência e erudição. Eles apreciavam os belos discursos, as especulações filosóficas, enquanto que Paulo se apresentava com simplicidade, sem grandes palavras sugeridas pela sabedoria humana, fraco e provado no seu físico. No entanto, foi a ele que, no caminho de Damasco, Jesus se tinha revelado plenamente; e desde então Deus tinha feito brilhar continuamente a luz do seu Filho no coração de Paulo e o tinha convidado a levar a todos essa luz. No entanto, Paulo era o primeiro a dar-se conta da desproporção entre a incalculável preciosidade da missão que lhe fora confiada e o fato de não ser ele a pessoa adequada: um tesouro em um pobre vaso de argila.
Quantas vezes também nós nos damos conta da nossa pobreza, das limitações, do despreparo diante das tarefas que nos são confiadas, da incapacidade de responder plenamente às exigências da nossa vocação, da impotência diante de situações que são maiores do que nós. Além disso, percebemos inclinações e atrações que nos orientam mais facilmente para o mal do que para o bem, e custamos a resistir a elas devido à fraqueza da nossa vontade. Também nós, como Paulo, temos a impressão de ser vasos de barro.
Também descobrimos facilmente essas mesmas fraquezas e fragilidades nas pessoas que estão ao nosso lado, tanto em família como na comunidade ou no grupo ao qual pertencemos.
E como deixar de pensar nestas palavras de Paulo no mês em que se celebra a Semana de Oração para a Unidade dos Cristãos? Apesar do tesouro que Deus nos deu, nós, cristãos, não conseguimos, durante os séculos, viver em unidade.

«Trazemos esse tesouro em vasos de barro.»

Se olhássemos somente para o vaso de barro que nós somos, teríamos todos os motivos para desanimar. No entanto, a coisa que vale, e à qual devemos dirigir toda a nossa atenção, é o tesouro que trazemos dentro de nós! Paulo sabia que o seu vaso de barro era habitado pela luz de Cristo: era o próprio Cristo que vivia nele e isto lhe dava a ousadia de arriscar tudo pela difusão do Seu Reino.
Também nós podemos experimentar o tesouro infinito que trazemos dentro de nós, como cristãos: é a Santíssima Trindade. Olho para dentro de mim e descubro como que uma voragem de amor, um abismo, a imensidão, como um sol divino dentro de mim.
Olho ao meu redor e aprendo a vislumbrar também nos outros – para além do seu “vaso de barro”, que logo vejo com evidência – o tesouro que ele contém. Não me detenho na aparência exterior. A luz da Trindade que mora em nós, lembrou-nos João Paulo II, “há de ser percebida também no rosto dos irmãos que estão ao nosso redor”.

«Trazemos esse tesouro em vasos de barro.»

Como viveremos esta Palavra de Vida?.
Ela é dirigida a nós. Um nós que não exclui ninguém. “Os cristãos devem dar a conhecer juntos esse tesouro que resplandece glorioso no semblante do Ressuscitado.” No entanto, para nos tornarmos plenamente conscientes do tesouro que temos, precisamos entrar em comunhão com ele. Sim, podemos aprender a conviver com a Santíssima Trindade, a ponto de nos perdermos nela. Podemos ter uma relação pessoal com cada uma das três Pessoas divinas – com o Pai e com o Filho e com o Espírito Santo -, de modo que seja o próprio Deus a viver e a agir em nós.
Temos o Pai. No nosso vaso de argila está presente um Pai. Podemos lançar nele toda nossa inquietação, toda preocupação, como nos sugere o apóstolo Pedro. Porque é assim que fazemos com um pai: nos colocamos em suas mãos, em tudo e por tudo, com total confiança. E isso é um pai: o sustento, a certeza do filho que, como uma criança, se lança despreocupado em seus braços.
Existe também o Filho dentro de nós; o Verbo que, tendo-se encarnado, é Jesus. Jesus está dentro de nós. Aprendemos a amá-lo profundamente nos seus diversos modos de tornar-se presente: na Eucaristia, na Palavra, quando estamos unidos em seu nome, no pobre, na autoridade que o representa…, no profundo do nosso coração. Podemos até mesmo aprender a amá-lo nos limites, nas fraquezas, nos fracassos, porque Ele assumiu a nossa fraqueza e a nossa fragilidade, mesmo não sendo pecador. Por isso Jesus, Verbo encarnado, tendo compartilhado tudo o que somos, pode nos sustentar em cada dificuldade da vida, sugerindo-nos como superá-la, para nos doar novamente luz, paz e força.
E o Espírito Santo. Aquele Espírito ao qual nos confiamos com segurança, como se fosse a nós mesmos. Que sempre responde quando o invocamos e nos sugere palavras de sabedoria. Que nos conforta, que nos sustenta e ama como verdadeiro amigo, iluminando-nos.
O que mais podemos querer? Um só Amor se hospedou em nosso coração: ele é o nosso tesouro. O vaso de barro, tanto o nosso como o dos outros, não será mais um obstáculo, não será mais motivo de desânimo. Ele nos lembrará apenas que a luz e a vida que Deus quer irradiar em nós e ao nosso redor não é tanto fruto das nossas capacidades humanas, quanto efeito da sua presença ativa em nós, reconhecida e amada.
Então, tal como Paulo, também nós poderemos arriscar tudo pelo Reino de Deus e com mais força tender à meta da comunhão visível e plena entre os cristãos, para podermos repetir, como ele: “Ora, trazemos esse tesouro em vasos de barro, para que todos reconheçam que este poder extraordinário vem de Deus e não de nós”.

Chiara Lubich

 

Palavra de Vida – Dezembro de 2002

Estas palavras assinalam o início da divina aventura de Maria. O Anjo acaba de lhe revelar o projeto que Deus lhe tinha reservado: ser a mãe do Messias. Antes de dar o seu consentimento, Maria quis certificar-se de que aquela era realmente a vontade de Deus e quando entendeu que era isso que Deus desejava, aderiu plenamente a esse projeto, sem a mínima hesitação. Daí em diante, Maria continuou abandonando-se completamente à vontade de Deus, mesmo nos momentos mais dolorosos e trágicos.
Por ter cumprido não a sua vontade mas a vontade de Deus, por ter confiado plenamente naquilo que Deus lhe pedia, todas as gerações a proclamam bem-aventurada (cf. Lc 1,48); e ela se realizou plenamente, a ponto de tornar-se a Mulher por excelência.
Com efeito, é exatamente este o fruto do cumprimento da vontade de Deus: realizar a nossa personalidade, adquirir a nossa plena liberdade, alcançar o nosso verdadeiro ser. Pois desde sempre nós estivemos no pensamento de Deus; Ele nos amou desde toda a eternidade; desde sempre temos um lugar no seu coração. Deus quer revelar também a nós, como fez com Maria, tudo aquilo que Ele projetou para cada um de nós, quer dar-nos a conhecer a nossa verdadeira identidade. É como se nos dissesse: “Quer que eu faça de você e de sua vida uma obra-prima? Siga o caminho que eu lhe mostro e você se tornará aquilo que desde sempre você é no meu coração. Pois desde toda a eternidade eu o imaginei e amei, pronunciei o seu nome. Quando eu lhe digo a minha vontade, estou lhe revelando o seu verdadeiro eu”.
É por isso que a vontade d'Ele não é uma imposição que nos oprime; é a manifestação do seu amor por nós, do projeto que ele preparou para nós. A sua vontade é sublime como o próprio Deus, fascinante e extasiante como a sua face: é Ele mesmo que se doa. A vontade de Deus é um fio de ouro, uma trama divina tecendo toda a nossa vida na terra e mais além; vai desde toda a eternidade até toda a eternidade: primeiro na mente de Deus, depois nesta terra e enfim no Paraíso.
Mas, para que o desígnio de Deus possa cumprir-se na sua plenitude, Deus pede a minha e a sua adesão, tal como a pediu a Maria. Só assim será possível realizar a palavra que Ele pronunciou para mim, para você. Então também nós, como Maria, somos chamados a dizer:

«Eis aqui a serva do Senhor! Aconteça-me segundo a tua palavra.»

É verdade que a vontade d'Ele nem sempre é clara para nós. Assim como Maria, também nós teremos que pedir mais luz para entender aquilo que Deus quer. É preciso escutar bem a sua voz dentro de nós, com plena sinceridade, aconselhando-nos, se necessário, com alguém que nos possa ajudar. Porém, uma vez compreendida a sua vontade, queremos dar-lhe imediatamente o nosso sim. De fato, tendo entendido que a sua vontade é o que de maior e de mais bonito pode existir na nossa vida, nossa atitude não será de resignação, de “ter que fazer” a vontade de Deus; mas será uma alegria “poder fazer” a vontade de Deus e seguir o seu projeto, de modo que se realize aquilo que Ele pensou para nós. É a coisa melhor e mais inteligente que podemos fazer.
As palavras de Maria “Eis aqui a serva do Senhor” são, portanto, a nossa resposta de amor ao amor de Deus. Elas nos mantêm sempre orientados a Ele, numa posição de escuta, de obediência, com o único desejo de cumprirmos a sua vontade para sermos tais como Ele nos quer.
No entanto, às vezes pode parecer absurdo o que Ele nos pede. Podemos achar que seria melhor agir de outra forma, gostaríamos nós mesmos de tomar em mãos a nossa vida. Gostaríamos até de aconselhar a Deus, de sermos nós a dizer-lhe o que deve ser feito e o que não. Mas se eu acredito que Deus é amor e se confio n'Ele, eu sei que tudo o que Ele predispõe na minha vida e na vida de todos os que estão ao meu lado é para o meu bem, para o bem deles. Então eu me entrego a Ele, abandono-me com plena confiança à sua vontade, desejando-a com todo o meu ser, a ponto de me tornar um com ela, sabendo que acolher a sua vontade significa acolher a Ele, abraçá-lo, nutrir-se d'Ele.
Temos que acreditar que nada acontece por acaso. Nenhuma ocorrência alegre, indiferente ou dolorosa, nenhum encontro, nenhuma situação de família, de trabalho, de escola, nenhuma condição de saúde física ou moral é algo sem sentido. Mas cada coisa – acontecimentos, situações, pessoas – é portadora de uma mensagem da parte de Deus; cada coisa contribui à realização do desígnio de Deus, que descobriremos pouco a pouco, dia após dia, fazendo, como Maria, a vontade de Deus.

«Eis aqui a serva do Senhor! Aconteça-me segundo a tua palavra.»

Como podemos, então, viver esta Palavra? O nosso sim à Palavra de Deus significa concretamente fazer bem, integralmente, a cada momento, aquela ação que a vontade de Deus nos pede. Significa fazer de corpo e alma aquela atividade, eliminando qualquer outra coisa, renunciando a pensamentos, desejos, lembranças ou ações que se referem a outra coisa.
Diante de cada vontade de Deus, seja ela dolorosa, alegre ou indiferente, podemos repetir: “Aconteça-me segundo a tua palavra” ou, como Jesus nos ensinou no “Pai-nosso”: “Seja feita a tua vontade”. Digamos isso antes de cada ação nossa: “Aconteça”, “Seja feita”. E estaremos compondo, momento após momento, pedrinha após pedrinha, o maravilhoso, único e irrepetível mosaico da nossa vida que o Senhor desde sempre imaginou para cada um de nós.

Chiara Lubich

 

Novembro de 2002

Jesus acaba de sair do Templo. Os discípulos lhe fazem observar com orgulho a imponência e a beleza da edificação. E Jesus: “Estais vendo tudo isso, não é? Em verdade vos digo: não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído”. Depois ele sobe ao Monte das Oliveiras, senta-se e, olhando para Jerusalém, que está diante dele, começa a falar da destruição da cidade e do fim do mundo.
Então os discípulos lhe perguntam como ocorrerá o fim do mundo e quando ele haverá de chegar. É uma pergunta que fizeram a si mesmas também as gerações cristãs que se seguiram, uma pergunta que todo ser humano faz a si mesmo. Realmente, o futuro é misterioso e muitas vezes incute medo. Ainda hoje há os que consultam cartomantes e controlam o horóscopo para saber como será o futuro, o que acontecerá…
A resposta de Jesus é límpida: o fim dos tempos coincide com a sua chegada. Ele, Senhor da história, voltará. É ele o ponto luminoso do nosso futuro.
E quando ocorrerá esse encontro? Ninguém sabe. Pode acontecer a qualquer momento. A nossa vida está efetivamente em suas mãos. Ele nos deu esta vida; ele pode retomá-la inclusive de súbito, sem pré-aviso. Contudo, ele nos adverte: vocês estarão preparados para esse evento, se estiverem vigilantes.

«Portanto, vigiai, pois não sabeis o dia, nem a hora.»

Com estas palavras Jesus nos lembra primeiramente que ele virá. A nossa vida na terra terminará, e começará uma vida nova que não terá mais fim. Hoje em dia ninguém quer falar da morte… Às vezes as pessoas fazem de tudo para se distrair, mergulhando completamente nas ocupações do dia-a-dia, até o ponto de esquecer Aquele que nos deu a vida e que nos haverá de pedi-la para introduzir-nos na plenitude da vida, na comunhão com o seu Pai, no Paraíso.
Estaremos prontos para o encontro com ele? Teremos a lâmpada acesa, como as virgens prudentes que esperam pelo esposo? Em outras palavras, estaremos no amor? Ou a nossa lâmpada estará apagada porque, tomados pelas muitas coisas que temos a fazer, pelas alegrias passageiras, pela posse dos bens materiais, acabamos esquecendo a única coisa necessária que é amar?

«Portanto, vigiai, pois não sabeis o dia, nem a hora.»

Mas, como vigiar? Primeiramente, como sabemos, quem vigia bem é justamente aquele que ama. Sabe disso a mulher que fica à espera do marido que vai chegar tarde do trabalho ou que está para voltar de uma longa viagem; sabe disso a mãe preocupada com o filho que ainda não voltou para casa; sabe disso o namorado que não vê a hora de se encontrar com a namorada… Quem ama sabe esperar, mesmo quando o outro demora para chegar.
Estaremos à espera de Jesus, se o amarmos e se desejarmos ardentemente encontrá-lo.
E estaremos à sua espera, se amarmos concretamente, servindo-o, por exemplo, naqueles que estão perto de nós, ou engajando-nos na construção de uma sociedade mais justa. É o próprio Jesus que nos convida a viver assim, ao contar a parábola do administrador fiel que, enquanto espera a volta do senhor, cuida do pessoal e dos negócios da casa; ou a parábola dos empregados que, sempre à espera do patrão, se esmeram em fazer frutificar os talentos recebidos.

«Portanto, vigiai, pois não sabeis o dia, nem a hora.»

Justamente por não sabermos nem o dia nem a hora da sua chegada, podemos concentrar-nos mais facilmente no instante que nos é dado, nos afazeres do dia, no momento presente que a Providência nos oferece para viver.
Tempos atrás me veio espontânea esta oração. Gostaria agora de relembrá-la.

“Sim, Jesus,
faz que eu sempre fale
como se fosse a última
palavra que profiro
Faz que eu sempre aja
como se fosse a última
ação que faço.
Faz que eu sempre sofra
como se fosse o último
sofrimento que tenho pra te oferecer.
Faz que eu sempre reze
como se fosse a última
possibilidade
que aqui na terra tenho,
de conversar contigo.”

Chiara Lubich

 

Outubro de 2002

A discussão sobre qual seria o primeiro entre os muitos mandamentos das Escrituras era um tema clássico que as escolas rabínicas debatiam no tempo de Jesus. Jesus, considerado um mestre, não se esquiva da pergunta que lhe colocam sobre o assunto: “Qual é o maior mandamento da lei?” Ele responde de maneira original, unindo amor a Deus e amor ao próximo. Seus discípulos jamais poderão dissociar estes dois amores, assim como numa árvore não se podem separar as raízes da copa: quanto mais eles amarem a Deus, tanto mais intensificarão o amor aos irmãos e às irmãs; quanto mais amarem os irmãos e as irmãs, tanto mais aprofundarão o amor por Deus.
Jesus sabe, mais do que ninguém, quem é realmente o Deus que devemos amar, e sabe como Ele deve ser amado: Ele é o seu Pai e o nosso Pai, o seu Deus e o nosso Deus (cf. Jo 20,17). É um Deus que ama a cada um pessoalmente; ama a mim, ama a ti: é o meu Deus, o teu Deus (“Amarás o Senhor, teu Deus”).
E nós podemos amá-lo porque Ele nos amou primeiro: o amor que nos é comandado é, portanto, uma resposta ao Amor. Podemos dirigir-nos a Deus com a mesma confidência e confiança que Jesus tinha quando o chamava de Abbá, Pai. Também nós, como Jesus, podemos falar freqüentemente com Ele, expondo-lhe todas as nossas necessidades, os propósitos, os projetos, reafirmando-lhe o nosso amor exclusivo. Que também nós esperemos com impaciência o momento de nos colocarmos em contato profundo com Ele mediante a oração, que é diálogo, comunhão, intensa relação de amizade. Naqueles momentos podemos dar asas ao nosso amor: adorar a Deus para além da criação; glorificá-lo pela sua presença em todo lugar, no universo inteiro; louvá-lo no fundo do nosso coração ou nos sacrários, onde Ele se encontra vivo; pensar n'Ele no lugar em que nos encontramos, no quarto, no trabalho, no escritório, quando estamos com os outros…

«Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua vida e com todo o teu entendimento!»

Jesus nos ensina também um outro modo de amar o Senhor Deus. Para Jesus, amar significou cumprir a vontade do Pai, colocando à disposição o entendimento, o coração, as energias, a própria vida: ele se entregou completamente ao projeto que o Pai lhe tinha reservado. O Evangelho nos apresenta Jesus sempre e totalmente voltado para o Pai (cf. Jo 1,18), sempre no Pai, sempre preocupado em dizer somente aquilo que tinha ouvido do Pai, a cumprir só aquilo que o Pai lhe mandara fazer. Também a nós ele pede a mesma coisa: amar significa fazer a vontade do Amado, sem meios-termos, com todo o nosso ser: “…com todo o teu coração, com toda a tua vida e com todo o teu entendimento”. Porque o amor não é apenas um sentimento. “Por que me chamais: 'Senhor! Senhor!', mas não fazeis o que vos digo?” (Lc 6,46), pergunta Jesus a quem o ama somente com as palavras.

«Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua vida e com todo o teu entendimento!»

Como, então, podemos viver este mandamento de Jesus? Sem dúvida, mantendo com Deus uma relação filial e de amizade, mas acima de tudo fazendo aquilo que Ele quer. A nossa atitude diante de Deus, tal como a de Jesus, será: estarmos sempre voltados para o Pai, à sua escuta, na obediência, para realizar a sua obra, somente essa e nada mais.
É nisso que nos é solicitado o maior radicalismo, porque não se pode dar a Deus menos do que tudo: todo o coração, toda a vida, todo o entendimento. E isso significa fazer bem, por completo, aquela ação que ele nos pede.
Para vivermos a sua vontade e nos amoldarmos a ela, muitas vezes será necessário queimar a nossa vontade, sacrificando tudo o que temos no coração ou na mente, mas que não diz respeito ao momento presente. Pode ser uma idéia, um sentimento, um pensamento, um desejo, uma lembrança, um objeto, uma pessoa…
E assim nos projetamos inteiramente naquilo que devemos fazer no momento presente. Falar, telefonar, escutar, ajudar, estudar, rezar, alimentar-nos, dormir, viver a vontade d'Ele sem ficar divagando; realizar ações completas, aprimoradas, perfeitas, com todo o coração, a vida, o entendimento; ter como único estímulo de cada ação nossa o amor, a ponto de poder dizer, em cada momento do nosso dia: “Sim, meu Deus, neste instante, nesta ação eu te amei com todo o coração, com todo o meu ser”. Só assim poderemos dizer que amamos a Deus, que retribuímos o seu “ser Amor para conosco”.

«Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua vida e com todo o teu entendimento!»

Para viver esta Palavra de Vida será útil que nos analisemos, de tempos em tempos, para ver se Deus ocupa realmente o primeiro lugar na nossa alma.
Então, para concluir, o que devemos fazer neste mês? Escolher novamente Deus como único ideal, como o tudo da nossa vida, recolocando-o no primeiro lugar, vivendo com perfeição a sua vontade no momento presente. Devemos poder dizer-lhe com sinceridade: “Meu Deus e meu tudo”; “Eu te amo”; “Sou inteiramente teu, inteiramente tua”; “És Deus, és meu Deus, o nosso Deus de amor infinito!”.

Chiara Lubich
 

 

Setembro 2002

Esta Palavra de Vida é tirada de um dos livros do Antigo Testamento, escrito entre os anos 190 e 180 antes de Cristo por Ben Sirac, um sábio, um escriba, que exercia sua função de mestre em Jerusalém. Ele ensina um tema muito estimado em toda a tradição sapiencial bíblica: Deus é misericordioso para com os pecadores e o seu modo de agir deve ser imitado por nós. O Senhor perdoa todas as nossas culpas porque “é compaixão e piedade, lento para a cólera e cheio de amor” Fecha os olhos para não ver mais os nossos pecados, esquece-os, lançando-os atrás de si. Com efeito, escreve ainda Ben Sirac, conhecendo a nossa pequenez e miséria, Ele “multiplica o perdão”. Deus perdoa porque, como qualquer pai, qualquer mãe, quer bem aos seus filhos e portanto os desculpa sempre, esconde seus erros, dá a eles confiança e os encoraja, sem jamais se cansar.
Sendo pai e mãe, Deus não se contenta em amar e perdoar seus filhos e suas filhas. O seu grande desejo é que eles se tratem como irmãos e irmãs, que sejam concordes, que se queiram bem, que se amem. A fraternidade universal: eis o grande projeto de Deus para a humanidade. Uma fraternidade mais forte que as inevitáveis divisões, tensões, rancores que se insinuam com tanta facilidade devido às incompreensões e aos erros.
Muitas vezes as famílias se desagregam porque não sabemos nos perdoar. Ódios antigos dão continuidade à divisão entre parentes, entre grupos sociais, entre povos. Às vezes até encontramos gente que ensina a não esquecer as injustiças sofridas, a cultivar sentimentos de vingança… E um rancor surdo envenena a alma e corrói o coração.
Há quem pense que o perdão é uma fraqueza. Não. Ele é a expressão de uma coragem extrema; é amor verdadeiro, o mais autêntico por ser o mais desinteressado. “Se amais aos que vos amam, que recompensa tereis?” – diz Jesus. Isto todos sabem fazer. “Mas vós, deveis amar os vossos inimigos”.
Também a nós Ele pede que, aprendendo dele, tenhamos um amor de pai, um amor de mãe, um amor de misericórdia para com todos os que encontramos no nosso dia, sobretudo para com aqueles que erram. E àqueles, então, que são chamados a viver uma espiritualidade de comunhão, ou seja, a espiritualidade cristã, o Novo Testamento pede ainda mais: “Perdoai-vos mutuamente”. O amor recíproco exige, de certo modo, um pacto entre nós: estarmos sempre prontos a nos perdoarmos uns aos outros. Só assim poderemos contribuir para criar a fraternidade universal.

«Perdoa a teu próximo a injustiça cometida; então, quando orares, teus pecados serão perdoados»

Estas palavras não só nos convidam a perdoar mas nos recordam que o perdão é a condição necessária para que também nós possamos ser perdoados. Deus nos ouve e nos perdoa na medida em que soubermos perdoar. O próprio Jesus nos exorta: “Com a medida com que medis sereis medidos”. “Felizes os misericordiosos porque alcançarão misericórdia”. De fato: se o coração estiver endurecido pelo ódio, nem sequer será capaz de reconhecer e de acolher o amor misericordioso de Deus.
Então, como podemos viver esta Palavra de Vida? Certamente perdoando de imediato, se existir alguém com quem ainda não nos tivermos reconciliado. Mas isto não basta. Será necessário sondar nos recantos mais escondidos do nosso coração e eliminar até mesmo a simples indiferença, a falta de benevolência, toda atitude de superioridade, de negligência com relação a quem quer que passe ao nosso lado.
Ainda mais. Torna-se necessária uma ação de prevenção: assim, a cada dia vejo com olhos novos todos os que encontro, na família, na escola, no trabalho, na loja, pronto a não fazer caso daquilo que não me agrada no seu modo de agir, disposto a não julgar, a dar-lhes confiança, a esperar sempre, a acreditar sempre. E me aproximo de cada pessoa com essa anistia completa no coração, com esse perdão universal. Não me lembro mais, absolutamente, de seus defeitos, para encobrir tudo com o amor. E se, ao longo do dia, eu cometi uma grosseria ou tive um ímpeto de impaciência, então procuro remediar com um pedido de desculpa ou um gesto de amizade. Compenso uma atitude de rejeição instintiva do outro, com uma atitude de plena acolhida, de misericórdia sem limite, de perdão completo, de partilha, de atenção para com as suas necessidades.
Então também eu, quando elevar minha oração ao Pai, sobretudo quando lhe pedir perdão pelos meus erros, verei o meu pedido ser atendido. Poderei dizer com plena confiança: “Perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”.

Chiara Lubich
 

 

Agosto de 2002

O lago de Tiberíades, chamado também “Mar da Galiléia”, tem as seguintes dimensões: 21 quilômetros de comprimento e 12 de largura. Mas quando o vento desce impetuosamente do vale de Bekaa, assusta até mesmo os pescadores, acostumados a navegar essas águas. E, naquela noite, os discípulos de Jesus tiveram realmente medo: ondas altas e vento contrário. Mal e mal conseguiam segurar o barco.
Então aconteceu um fato inesperado: Jesus, que tinha ficado na margem, sozinho, para rezar, apareceu de repente sobre as águas. Os Doze, já agitados devido à condição do mar, começaram a gritar, assustados, acreditando ver um fantasma. Aquele que estava diante deles não podia ser Jesus: no livro de Jó está escrito que somente Deus caminha sobre as águas. Eis então as palavras de Jesus: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” Ele sobe ao barco e o mar se acalma. Os discípulos não só recobram a paz mas também, pela primeira vez, reconhecem Jesus como “filho de Deus”: “Tu és realmente o Filho de Deus!”.

«Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!»

Aquele barco agitado pelo vento e jogado pelas ondas tornou-se o símbolo da Igreja de todos os tempos. Para cada um dos cristãos que realizam a travessia da vida, mais cedo ou mais tarde chega o momento do medo. Talvez também você já se encontrou alguma vez com o coração em tempestade; talvez sentiu-se arrastado pelo vento contrário na direção oposta àquela que você queria seguir; ou teve receio de que a sua vida ou a vida da sua família naufragasse.
Quem é que não passa pela provação? Ela às vezes assume a fisionomia do fracasso, da pobreza, da depressão, da dúvida, da tentação… Muitas vezes, o que mais nos faz sofrer é a dor de quem está ao nosso lado: um filho drogado ou incapaz de encontrar o seu caminho, o marido alcoólatra ou desempregado, a separação ou o divórcio de pessoas amigas, os pais idosos e doentes… Também nos assusta a sociedade materialista e individualista que nos rodeia, com as guerras, as violências, as injustiças… Diante dessas situações pode se insinuar até mesmo a dúvida: onde é que foi parar o amor de Deus? Foi tudo uma ilusão? É um fantasma?.
Não existe nada mais terrível do que sentir-se sozinho no momento da provação. Quando não temos ninguém com quem partilhar a dor, ninguém capaz de nos ajudar a resolver as situações difíceis, então qualquer sofrimento nos parece insuportável. Jesus sabe disso. Por isso ele aparece sobre o nosso mar tempestuoso, aproxima-se de nós e nos repete também hoje:

«Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!»

Ele parece dizer-nos: naquele seu medo sou eu que me apresento. Também eu, na cruz, quando gritei o meu abandono, fui invadido pelo medo de que o Pai me tivesse abandonado. Sou eu, naquele seu desânimo: lá na cruz também eu tive a impressão de que me faltasse o conforto do Pai. Você se sente desnorteado? Também eu me senti, a ponto de gritar “Por quê?” Eu – como você, e mais ainda – me senti só, incerto, ferido… Eu senti em mim a dor da perversidade humana…
Jesus realmente penetrou em toda dor, assumiu sobre si todas as nossas provações, identificou-se com cada um de nós. Ele se encontra por trás de tudo o que nos faz sofrer, que nos causa medo. Cada circunstância dolorosa, assustadora, é um semblante seu. Ele é o Amor, e é próprio do amor afastar todo temor.
Toda vez que o medo nos assalta, que nos sentimos sufocados por uma dor, podemos reconhecer a realidade verdadeira que se esconde por trás: é Jesus que se apresenta na nossa vida, é uma das muitas faces com que ele se manifesta. Podemos chamá-lo pelo nome: és tu, Jesus abandonado-dúvida; és tu, Jesus abandonado-traído; és tu, Jesus abandonado-doente. Então deixemos que ele suba ao nosso “barco”, que ele seja acolhido, que ele entre na nossa vida. E depois, continuemos a viver aquilo que Deus quer de nós, lançando-nos a amar o próximo. Descobriremos que Jesus é sempre Amor. Desta forma poderemos dizer-lhe, como os discípulos: “Tu és realmente o Filho de Deus!”.
Se o abraçarmos, ele se tornará a nossa paz, o nosso conforto, a coragem, o equilíbrio, a saúde, a vitória. Será a explicação de tudo e a solução para tudo.

Chiara Lubich