Movimento dos Focolares

Palavra de Vida – Janeiro de 2016

Quando Deus age, realiza grandes feitos. Quando criou o universo, logo “viu que era bom” (Gn 1,25); mas depois de ter criado o homem e a mulher, confiando-lhes toda a criação, “viu que era muito bom” (Gn 1,31). Mas o seu feito que supera todos os outros é aquele que Jesus realizou: com a sua morte e ressurreição criou um mundo novo e um povo novo. Um povo ao qual Jesus deu a vida do Céu, uma fraternidade autêntica no acolhimento mútuo, na partilha, no dom de si. A carta de Pedro conscientiza os primeiros cristãos sobre o que o amor de Deus fez por eles: “Mas vós sois a gente escolhida, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo que Ele adquiriu, a fim de que proclameis os grandes feitos daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa. Vós sois aqueles que antes não eram povo, agora, porém, são povo de Deus; os que não eram objeto de misericórdia, agora, porém, alcançaram misericórdia” (1Pd 2,9-10). Se também nós, como os primeiros cristãos, nos conscientizássemos realmente daquilo que somos, de tudo o que a misericórdia de Deus realizou em nós, entre nós e ao nosso redor, ficaríamos  deslumbrados, não conseguiríamos conter a alegria e sentiríamos a necessidade de compartilhá-la com os outros, de “proclamar os grandes feitos do Senhor”. Mas será difícil, quase impossível, testemunhar de maneira eficaz a beleza da nova socialidade que Jesus fez surgir, se ficarmos isolados uns dos outros. Por isso é lógico que o convite de Pedro seja dirigido a todo o povo. Não é possível mostrarmos desavenças e partidarismos, ou mesmo só indiferença de uns para com os outros, e depois proclamarmos: “O Senhor criou um povo novo, libertou-nos do egoísmo, do ódio e dos rancores, deu-nos por lei o amor mútuo que faz de nós um só coração e uma só alma…”. No nosso povo cristão existem, sim, diferenças nos modos de pensar, nas tradições e culturas. Mas essas diversidades devem ser acolhidas com respeito, reconhecendo a beleza dessa grande variedade, com a consciência de que a unidade não é uniformidade. É esse o caminho a ser percorrido durante a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que no hemisfério Norte se celebra de 18 a 25 de janeiro. Mas isso deve ser vivido também durante o ano todo. A Palavra de Vida nos convida a procurar conhecermo-nos melhor entre os cristãos de Igrejas e comunidades diferentes, a narrar uns aos outros os grandes feitos do Senhor. Então, sim, haverá credibilidade quando “proclamarmos” essas obras: se testemunharmos que estamos unidos entre nós justamente nessa diversidade e que nos sustentamos concretamente uns aos outros. Chiara Lubich incentivou com força esse caminho: “O amor é a mais potente força do mundo. Desencadeia a pacífica revolução cristã em torno de quem o vive, chegando a fazer o cristão de hoje repetir aquilo que diziam os primeiros cristãos, muitos séculos atrás: ‘Somos de ontem e já estamos espalhados no mundo inteiro’. […] O amor! Quanta necessidade de amor no mundo! E em nós, cristãos! Todos nós juntos, membros das diversas Igrejas, somos mais de um bilhão. Muitos, portanto; e deveríamos ser bem visíveis. Mas estamos tão divididos entre nós, que muitos não nos enxergam, nem enxergam Cristo através de nós. Ele disse que o mundo haveria de nos reconhecer como discípulos Dele e que, através de nós, haveria de reconhecê-lo por meio do nosso amor recíproco, da unidade: ‘Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros’ (Jo 13,35). […] Dessa forma o tempo presente exige de cada um de nós o amor, pede-nos unidade, comunhão, solidariedade. E chama também as Igrejas a recompor a unidade rompida há séculos”. Colaboração de Fabio Ciardi

Palavra de Vida – Dezembro de 2015

Essas palavras são dirigidas a mim. O Senhor vem, e devo estar pronto para acolhê-lo. A cada dia eu lhe peço: “Vem, Senhor Jesus”. E Ele responde: “Sim, eu venho em breve” (cf. Ap 22,17.20). Ele está à porta e bate, pede para entrar em casa (cf. Ap 3,20). Não posso deixá-lo fora da minha vida. O convite a acolher o Senhor que vem é de João Batista. Era dirigido aos judeus de seu tempo. Ele os convidava a confessar os próprios pecados e a converter-se, a mudar de vida. Ele tinha a certeza de que a vinda do Messias era iminente. Será que o povo, que também o esperava havia séculos, o reconheceria, escutaria as suas palavras, haveria de segui-lo? João sabia que, para acolhê-lo, era necessário preparar-se. Daí o convite urgente: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai as veredas para Ele.” Essas palavras são dirigidas a mim, porque Jesus continua vindo ao meu encontro todos os dias. Cada dia Ele bate à minha porta. E também para mim, como para os judeus do tempo de João Batista, não é fácil reconhecê-lo. Naquele tempo, contrariando todas as expectativas, Ele se apresentou como um humilde carpinteiro proveniente de Nazaré, um povoado pouco conhecido. Hoje Ele se apresenta no perfil de um migrante, de um desempregado, do patrão, da colega de escola, dos familiares e até mesmo de pessoas nas quais o semblante do Senhor nem sempre se mostra em toda a sua luminosidade; pelo contrário, às vezes parece estar escondido. A sua voz delicada, que convida a perdoar, a oferecer confiança e amizade, a não se conformar com opções contrárias ao Evangelho, é muitas vezes abafada por outras vozes que incitam ao ódio, à prática de tirar vantagem, à corrupção. Daí a metáfora dos caminhos tortuosos e acidentados, que lembram os obstáculos que se contrapõem à vinda de Deus na nossa vida de cada dia. Não vale a pena enumerar a mesquinhez, o egoísmo, os pecados que se aninham no coração e nos tornam cegos à sua presença e surdos à sua voz. Cada um de nós, se for sincero, sabe quais são as barreiras que lhe impedem o encontro com Jesus, com a sua Palavra, com as pessoas com as quais Ele se identifica. Eis então o convite que a Palavra de Vida dirige hoje exatamente a mim: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai as veredas para Ele.” Endireitar aquele julgamento que me leva a condenar o outro, a não falar mais com ele, para chegar a compreendê-lo, a amá-lo, a colocar-me a seu serviço. Endireitar aquele comportamento ambíguo que me faz trair uma amizade, me faz ser violento ou ludibriar as leis civis, para em troca converter-me em alguém disposto a suportar até mesmo uma injustiça para salvar um relacionamento, a ser prejudicado se necessário, para fazer crescer a fraternidade no meu ambiente. A Palavra que nos é proposta neste mês é dura e forte, mas também libertadora. Ela pode mudar a minha vida, abrir-me ao encontro com Jesus, fazendo com que Ele venha a viver em mim, e que seja Ele em mim a agir e a amar. Essa Palavra, se vivida, pode fazer ainda muito mais: pode fazer nascer Jesus em meio a nós, na comunidade cristã, na família, nos grupos em que atuamos. João Batista dirigiu-a a todo o povo: e Deus “veio morar entre nós” (Jo 1,14), em meio ao seu povo. Por isso, ajudando-nos uns aos outros a endireitar as veredas dos nossos relacionamentos, a eliminar todo desacerto que talvez exista entre nós, queremos viver a misericórdia para a qual somos convidados neste ano. Dessa forma nos tornaremos juntos a casa, a família capaz de acolher Deus. Está chegando o Natal: Jesus encontrará o caminho aberto e poderá permanecer entre nós. Fabio Ciardi (Cf. também o comentário à Palavra de Vida de dezembro de 1982)

Palavra de Vida – Novembro de 2015

Essa é a última, apaixonada oração que Jesus dirige ao Pai. Ele sabe que está pedindo a coisa pela qual o Pai mais anseia. Com efeito, Deus criou a humanidade como sua própria família, para compartilhar com ela todo bem, a sua mesma vida divina. O maior sonho dos pais não é que os filhos se queiram bem, ajudando-se, vivendo unidos entre si? E a maior decepção não é vê-los divididos por causa de ciúmes ou interesses econômicos, chegando ao ponto de não se falarem mais? Também Deus sonhou desde toda a eternidade que a sua família estivesse unida na comunhão de amor dos filhos com Ele e dos filhos entre si. A dramática narrativa bíblica das origens nos fala do pecado e da gradual divisão da família humana: lemos no Gênesis que Adão acusa Eva; Caim mata seu próprio irmão Abel; Lamec se gaba da sua vingança desproporcional [cf. Gn 4,23: “Matei um homem por uma ferida, um jovem por causa de um arranhão”]; Babel gera a incompreensão e a dispersão dos povos… O projeto de Deus parece ter fracassado. No entanto, Deus não se dá por vencido e continua buscando com persistência a reunificação da própria família. A história recomeça com Noé, com o chamado de Abraão, com a formação do povo eleito; e continua, até quando Ele decide mandar seu próprio Filho à terra, confiando-lhe a grande missão de reunir em uma só família os filhos dispersos, recolher em um só rebanho as ovelhas perdidas, derrubar os muros de separação e as inimizades entre os povos para criar um único povo novo (cf. Ef 2,14-16). Deus nunca cessa de sonhar com a unidade. Por isso Jesus lhe pede isso como o dom maior que Ele possa implorar para todos nós: Peço-te, ó Pai, “que todos sejam um.” Cada família traz a marca dos pais. Isso vale também para a família criada por Deus. Deus é Amor, não somente porque ama a sua criatura, mas é Amor em si mesmo, na reciprocidade do dom e da comunhão que existe entre cada uma das três divinas Pessoas na relação com as outras duas. E quando Deus criou a humanidade, Ele a modelou segundo a sua imagem e semelhança e imprimiu nela a sua própria capacidade de relação, para que cada pessoa vivesse na doação mútua de si. De fato, a frase completa da oração de Jesus que queremos viver este mês diz: “Que todos sejam um; como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti, que eles estejam em nós.” O modelo da nossa unidade é nada mais nada menos que a unidade existente entre o Pai e Jesus. Parece impossível, de tão profunda que é. No entanto ela se torna possível por causa daquele como, que significa também porque: podemos ser unidos como são unidos o Pai e Jesus, justamente porque Eles nos envolvem na mesma unidade Deles, porque Eles nos doam essa unidade. “Que todos sejam um.” É justamente essa a obra de Jesus: fazer de todos nós uma só coisa, uma só família, um só povo, assim como Ele é uma só coisa com o Pai. Por isso Ele se fez um de nós, assumiu sobre si as nossas divisões e os nossos pecados, pregando-os na cruz. Ele mesmo indicou o caminho que haveria de percorrer para levar-nos à unidade: “E quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Como profetizou o sumo sacerdote, “Jesus iria morrer (…) para reunir os filhos de Deus dispersos (Jo 11,52). No seu mistério de morte e ressurreição, recapitulou tudo em si (cf. Ef 1,10), restaurou a unidade rompida pelo pecado, reconstituiu a família ao redor do Pai e nos fez novamente irmãos e irmãs entre nós. Jesus cumpriu a sua missão. Agora falta a nossa parte, a nossa adesão, o nosso “sim” à sua oração: “Que todos sejam um.” Qual é a nossa contribuição à realização dessa oração? Para começar, é assumi-la como nossa. Podemos emprestar a Jesus os lábios e o coração, para que Ele continue a dirigir essas palavras ao Pai. E repetir todo dia confiantes a sua oração. A unidade é um dom do alto, que devemos pedir com fé, sem nos cansarmos jamais. Além disso, ela deve permanecer constantemente à frente dos nossos pensamentos e desejos. Se é esse o sonho de Deus, queremos que seja também o nosso sonho. De vez em quando, antes de qualquer decisão, de qualquer escolha, de qualquer ação, poderíamos nos perguntar: ela serve para construir a unidade? É a melhor opção em vista da unidade? E enfim, deveríamos correr para os lugares onde a desunião é mais evidente, e abraçá-la, como fez Jesus. Podem ser atritos na família ou entre pessoas que conhecemos, tensões que se vivem no nosso bairro, desavenças no ambiente de trabalho, na paróquia, entre as Igrejas. Não fugir das discórdias e incompreensões, não ficar indiferentes, mas levar o próprio amor, feito de escuta, de atenção ao outro, de partilha dessa dor que nasce daquela divisão. E sobretudo viver em unidade com todos os que estão dispostos a partilhar o ideal de Jesus e a sua oração, sem dar peso a mal-entendidos ou a divergências de ideias. Satisfazer-nos com o “menos perfeito em unidade” em vez de pretender “o mais perfeito em desunião”, aceitando com alegria as diferenças, ou melhor, considerando-as uma riqueza para a unidade, uma unidade que não deve jamais ser reduzida à uniformidade. É verdade que às vezes isso nos crucificará, mas é justamente esse o caminho que Jesus escolheu para restaurar a unidade da família humana, o caminho que também nós queremos trilhar com Ele. Fabio Ciardi (Cf. também o comentário à Palavra de Vida de janeiro de 1990)

Palavra de Vida – Outubro de 2015

É esse o distintivo, o sinal de reconhecimento, a característica típica dos cristãos. Ou pelo menos deveria ser esse, porque foi assim que Jesus imaginou que seria a sua comunidade. Um fascinante escrito dos primeiros séculos do cristianismo, a Carta a Diogneto, dá conta de que “os cristãos não se distinguem dos outros homens nem pelo território, nem pelo modo de falar, nem pelo modo de vestir. Com efeito, não moram em cidades diferentes, não usam alguma língua estranha, nem adotam um modo de vida especial”. São pessoas normais, como todas as outras. No entanto, possuem um segredo que as faz influir profundamente na sociedade, fazendo-as ser como que a sua alma (cf. cap. 5-6). É um segredo que Jesus confiou aos seus discípulos pouco antes de morrer. Tal como os antigos sábios de Israel, ou como um pai diante de seu filho, também Ele, Mestre de sabedoria, deixou como herança a arte do saber viver, do viver bem. Ele a tinha colhido diretamente do Pai: “Porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,15), e era esse o fruto da sua experiência na relação com Ele. Essa arte consiste na reciprocidade do amor. É essa a última vontade de Jesus, o seu testamento, a vida do Céu que Ele trouxe à terra, partilhando-a conosco a fim de que nós tenhamos a mesma vida. Ele quer que seja esta a identidade dos seus discípulos, que eles sejam reconhecidos como discípulos pelo amor mútuo: “Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.” Será que os discípulos de Jesus são reconhecidos pelo amor recíproco? “A história da Igreja é uma história de santidade”, escreveu João Paulo II. “No entanto, ela registra também numerosos episódios que constituem um contratestemunho para o cristianismo” (Incarnationis Mysterium, 11). Durante séculos os cristãos se combateram em nome de Jesus com guerras intermináveis, e persistem na divisão entre si. Ainda hoje há pessoas que identificam os cristãos com as Cruzadas, com os tribunais da Inquisição, ou os veem como defensores ferrenhos de uma moral antiquada, que se opõem ao progresso da ciência. Não era isso que acontecia com os primeiros cristãos da comunidade nascente de Jerusalém. As pessoas ficavam admiradas pela comunhão dos bens que eles viviam, pela unidade que reinava, pela “alegria e simplicidade de coração” que os caracterizava (cf. At 2,46). “O povo estimava-os muito”, lemos ainda nos Atos dos Apóstolos, com a consequência de que a cada dia “crescia sempre mais o número dos que pela fé aderiam ao Senhor” (At 5,13-14). O testemunho de vida da comunidade tinha uma forte capacidade de atração. Por que também hoje não somos conhecidos como aqueles que se distinguem pelo amor? O que fizemos do mandamento de Jesus? “Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.” Tradicionalmente, em âmbito católico, o mês de outubro é dedicado à “missão”, à reflexão sobre a ordem dada por Jesus, de ir a todo o mundo anunciar o Evangelho, à oração e ao apoio àqueles que se encontram na linha de frente. Esta Palavra de Vida pode ajudar-nos todos a focalizar novamente a dimensão fundamental de todo anúncio cristão. Não se trata da imposição de uma fé, não é proselitismo, não é uma ajuda interesseira aos pobres para que se convertam. Não se trata sequer primeiramente de uma defesa exigente dos valores morais ou do posicionamento firme diante das injustiças e das guerras, embora essas atitudes sejam obrigatórias, das quais o cristão não pode se esquivar. O anúncio cristão é acima de tudo um testemunho de vida que cada discípulo de Jesus deve oferecer pessoalmente: “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres” (Evangelii nuntiandi, 41). Até mesmo quem é hostil à Igreja muitas vezes fica tocado pelo exemplo daqueles que dedicam suas vidas aos doentes e aos pobres, e estão dispostos a deixar a pátria para ir às frentes de emergência e oferecer ajuda e amizade aos últimos. Mas Jesus pede sobretudo o testemunho de toda uma comunidade que mostre a veracidade do Evangelho. Ela deve evidenciar que a vida trazida por Ele pode realmente gerar uma sociedade nova, na qual se vivem relacionamentos de autêntica fraternidade, de ajuda e serviço mútuo, de uma atenção coletiva às pessoas mais frágeis e necessitadas. A vida da Igreja conheceu esse tipo de testemunhos, como por exemplo as aldeias construídas pelos franciscanos e pelos jesuítas para os nativos na América do Sul (cf. as Reduções), ou os mosteiros com os povoados que surgiam ao seu redor. Também hoje, comunidades e movimentos eclesiais fazem surgir pequenas cidades de testemunho (cf. as Mariápolis permanentes) onde se podem ver os sinais de uma sociedade nova, fruto da vida evangélica, do amor mútuo. “Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.” Sem ter de abandonar os lugares em que moramos e as pessoas que frequentamos, se vivermos entre nós aquela unidade pela qual Jesus deu a vida, poderemos criar um modo de viver alternativo e semear ao nosso redor germes de esperança e de vida nova. Uma família que renova a cada dia o desejo de viver concretamente no amor mútuo pode se tornar um raio de luz na indiferença recíproca do condomínio ou da vizinhança. Uma “célula de ambiente”, ou seja, duas ou mais pessoas que se colocam de acordo para atuar com radicalismo as exigências do Evangelho no próprio campo de trabalho, na escola, na sede do sindicato, nos gabinetes administrativos, numa prisão, poderá romper a lógica da luta pelo poder, criar um clima de colaboração e favorecer o surgimento de uma fraternidade inesperada. Não era isso que faziam os primeiros cristãos no tempo do império romano? Não foi desse modo que eles difundiram a novidade transformadora do cristianismo? Sejamos hoje nós “os primeiros cristãos”, chamados, como eles, a non perdoarmos, a nos vermos sempre novos, a nos ajudarmos; numa palavra, a nos amarmos intensamente como Jesus amou, na certeza de que a sua presença em nosso meio tem a força de envolver também os outros na lógica divina do amor. Fabio Ciardi

Palavra de Vida – Setembro de 2015

Essa frase do Evangelho é de aplicação imediata, clara, límpida – e exigente. Vejamos o seu contexto. Jesus responde a um escriba, um estudioso da Bíblia, que lhe perguntou qual é o maior dos mandamentos, entre os 613 preceitos da Sagrada Escritura a serem observados. Um dos grandes mestres, o rabi Shamai, tinha-se recusado a dar a sua opinião. Outros, como o rabi Hilel, já consideravam que o centro de tudo é o amor: “Não faças aos outros aquilo que não gostarias que fizessem a ti. Essa é toda a lei. O resto é só comentário”. Jesus não só reafirma a centralidade do amor, mas reúne em um único mandamento o amor a Deus (cf. Dt 6,4) e o amor ao próximo (cf. Lv 19,18). Basta ver a resposta dada ao escriba: “O primeiro [mandamento] é este: ‘Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é um só. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com toda a tua força!’ E o segundo mandamento é: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’! Não existe outro mandamento maior do que estes.” “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Essa segunda parte do único mandamento é expressão da primeira parte, o amor a Deus. A melhor maneira de demonstrar o nosso amor a Deus é amarmos os outros de tal modo que eles encontrem em nós a expressão do amor de Deus para com eles. Assim como os pais ficam felizes vendo seus filhos em harmonia, ajudando-se, estando unidos, Deus – que para nós é como um pai e uma mãe – se alegra em ver que amamos o próximo como a nós mesmos, contribuindo assim à unidade da família humana. Há séculos os profetas explicavam ao povo de Israel que Deus quer o amor e não os sacrifícios e os holocaustos (cf. Os 6,6). O próprio Jesus o relembra, quando diz: “Ide, pois, aprender o que significa: Misericórdia eu quero, não sacrifícios” (Mt 9,13). De fato: como se pode amar Deus que não se vê, quando não se ama o irmão que se vê? (cf. 1Jo 4,20). Nós o amamos, servimos, honramos, na medida em que amamos, servimos, honramos qualquer pessoa, amiga ou desconhecida, da nossa raça ou de outra, e de modo especial os “pequenos”, os mais necessitados. É o convite a transformarmos o culto em vida: ao sairmos das igrejas onde adoramos, amamos, louvamos a Deus, ir ao encontro dos outros, para atuar o que compreendemos na oração. “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Para viver essa frase, lembremo-nos de que ela é a segunda parte de um mandamento duplo, cuja primeira parte, inseparável, é o amor a Deus. Daí a necessidade da oração, do diálogo com Ele. Deus é Amor. É Ele quem nos ensina o que é o amor e como devemos amar. Quando estamos com Deus, não estamos roubando tempo ao próximo, pelo contrário: estamos nos preparando para amar de modo cada vez mais generoso. E quando nos recolhemos com Deus depois de amar os outros, a nossa oração é mais autêntica, mais verdadeira, mais universal. E ainda: para amar o próximo como a nós mesmos, precisamos conhecê-lo como a nós mesmos e amá-lo como ele quer ser amado, não só como nós gostaríamos de amá-lo. As diversidades existem na própria família, no trabalho e na vizinhança. Assim como gostaríamos de encontrar alguém disposto a nos escutar, a nos ajudar na preparação de uma prova, na procura de um emprego, na arrumação da casa, também devemos intuir as exigências do outro, dando-lhe atenção, permanecendo em sincera escuta, colocando-nos no lugar dele. A qualidade do amor também é importante. O apóstolo Paulo, no hino ao amor-caridade, enumera algumas dessas qualidades: o amor é paciente, é benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não faz nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza, não leva em conta o mal sofrido. Desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo (cf. 1Cor 13,4-7). Quantas chances e quantos detalhes para viver esta Palavra! “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Enfim, podemos lembrar que essa norma da existência humana é a base da famosa “regra de ouro” que encontramos em todas as religiões e até nos grandes mestres da cultura leiga. Podemos encontrar na nossa cultura ou religião convites semelhantes a amar o próximo; e podemos ajudar-nos a vivê-los juntos – hinduístas e muçulmanos, budistas e membros de religiões tradicionais, cristãos, bem como pessoas de boa vontade sem referencial religioso. Devemos trabalhar juntos para criar uma nova mentalidade que dê valor ao outro; que ensine o respeito pela pessoa, a tutela das minorias, a atenção para com os mais fracos; que tire do centro das atenções os interesses próprios para colocar em primeiro plano os dos outros. Se amássemos o próximo como a nós mesmos, chegando a não fazer ao outro o que não gostaríamos que fosse feito a nós, e a fazer ao outro o que gostaríamos que fosse feito a nós… acabariam as guerras, a corrupção desapareceria, a fraternidade universal não seria mais uma utopia, a civilização do amor se tornaria em pouco tempo uma realidade. Fabio Ciardi

Palavra de Vida – agosto de 2015

Nessa frase está contida toda a ética cristã. O agir humano, se quiser corresponder ao projeto pensado por Deus na nossa criação, ou seja, o agir humano mais autêntico, deve ser animado pelo amor. A vivência, a caminhada para chegar à sua meta deve ser orientada pelo amor, que é o resumo de toda a lei. O apóstolo Paulo dirige essa recomendação aos cristãos de Éfeso, como conclusão e síntese daquilo que ele acabara de escrever-lhes sobre o modo de viver cristão: passar do “homem velho” ao “homem novo”, relacionar-se uns com os outros na verdade e na sinceridade, não roubar, saber perdoar mutuamente, atuar o bem… em uma palavra, “viver no amor”. Convém ler o trecho completo do qual foi extraída a expressiva frase que nos acompanhará durante todo o mês: “Sede, pois imitadores de Deus como filhos queridos. Vivei no amor, como Cristo também nos amou e se entregou a Deus por nós como oferenda e sacrifício de suave odor.” Paulo está convencido de que todo o nosso comportamento deve ter como modelo o de Deus. Se o amor é o sinal distintivo de Deus, ele o deve ser também para seus filhos: nisso eles devem imitá-lo. Mas como podemos conhecer o amor de Deus? Para Paulo é evidente: esse amor se revela em Jesus, que mostra como e o quanto Deus ama. O apóstolo o experimentou em primeira pessoa: “… me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20) e agora revela-o a todos, para que se torne a experiência da comunidade inteira. “Vivei no amor.” Qual é a medida do amor de Jesus, modelo do nosso amor? Sabemos que esse amor não tem limites, não conhece preconceitos nem preferências. Jesus morreu por todos, inclusive pelos seus inimigos, por aqueles que o estavam crucificando. Ama tal e qual o Pai que, no seu amor universal, faz brilhar o sol e faz cair a chuva sobre todos, bons e maus, pecadores e justos. Ele soube dedicar-se sobretudo aos pequenos e aos pobres, aos doentes e aos excluídos; amou com intensidade os amigos; deu atenção toda especial aos discípulos… O seu amor não conheceu reservas, chegando ao ponto extremo de doar a vida. E agora chama todos a partilhar o seu próprio amor, a amar como Ele amou. É um chamado que pode assustar-nos, por ser exigente demais. Como podemos ser imitadores de Deus, que ama a todos, ama sempre, toma a iniciativa? Como podemos amar na mesma medida do amor de Jesus? Como viver “no amor”, conforme nos pede a Palavra de Vida? Isso só é possível quando antes se fez a experiência de ter sido amado. Na frase “Vivei no amor, como Cristo também nos amou”, a palavra como também pode ser traduzida com porque. “Vivei no amor.” Aqui, “viver” equivale a agir, a comportar-se, significando que toda ação nossa deve ser inspirada e movida pelo amor. Mas Paulo usa essa palavra dinâmica talvez não por acaso, para nos lembrar que o amor deve ser aprendido, que temos toda uma vivência, um caminho a percorrer para alcançar a largueza do coração de Deus. Ele usa também outras imagens para indicar a necessidade do progresso contínuo, como o crescimento que nos conduz da condição de recém-nascidos à idade adulta (cf. 1Cor 3,1-2), como o desenvolvimento de uma plantação, a construção de um prédio, a corrida no estádio para a conquista do prêmio (cf. 1Cor 9,24). Nós nunca podemos dizer que já chegamos ao fim. Precisamos de constância e de tempo para alcançar a meta, sem nos rendermos diante das dificuldades, sem jamais nos deixarmos desencorajar pelos fracassos e pelos erros, sempre prontos a recomeçar, sem nos resignarmos a ficar na mediocridade. A esse respeito, Agostinho de Hipona escreveu, talvez pensando no seu próprio caminho sofrido: “Sinta-se sempre insatisfeito com aquilo que você é, se quiser alcançar aquilo que você ainda não é. Com efeito, no momento em que você se sente bem, você pára; e diz até mesmo: ‘Assim já basta’, e desse modo se afunda. Acrescente continuamente, caminhe sempre, proceda em frente sem parar. Não se detenha ao longo do caminho, não se volte para trás, não se desvie. Quem não segue adiante fica para trás.”[1] “Vivei no amor.” De que modo podemos proceder mais velozmente no caminho do amor? Uma vez que o convite é dirigido a toda a comunidade (“vivei”), será útil praticar a ajuda mútua. Com efeito, é triste e difícil enfrentar uma viagem sozinho. Para começar, poderíamos encontrar ocasiões para reafirmar mais uma vez entre nós – com os amigos, os familiares, os membros da mesma comunidade cristã… – a vontade de caminharmos juntos. Poderíamos compartilhar as experiências positivas de como temos vivido o amor, de modo que possamos aprender uns com os outros. Podemos confiar a alguém, capaz de nos compreender, os erros que cometemos e os desvios que fizemos, de modo a nos corrigirmos. Também a oração feita em comum pode dar-nos força e luz para prosseguirmos. Unidos entre nós e com Jesus no nosso meio (“o Caminho, a Vida”!) poderemos percorrer até o fim a nossa “santa viagem”, semeando amor ao nosso redor e alcançando enfim a meta: o Amor. Fabio Ciardi [1]Sermo 169,18: PL 38,926 [Tradução nossa].